Balançar-se
 para cá e para lá geralmente é considerada uma das características mais
 marcantes das pessoas no espectro do autismo. Isso acontece, segundo os
 estudiosos, porque se trata de uma maneira de o autista se sentir 
equilibrado após uma série de estímulos externos pelo qual ele tenha 
passado e que o acabam sobrecarregando. Desse modo, balançar o corpo 
seria quase como um meio para “filtrar” esses estímulos e assimilá-los 
melhor. Se é realmente este o propósito de se balançar, não sei dizer, 
embora faça bastante sentido.
O fato é que não me recordo de alguma situação em minha vida em que 
essa característica tenha sido destacada, ou pelo menos mencionada por 
outra pessoa. Até cheguei a fazer isso, admito, mas apenas em momentos 
específicos. É como se não funcionasse tanto para mim quanto funciona 
para os outros. É possível que eu tenha encontrado outras formas de me 
sentir melhor depois de ter sido “sobrecarregado” – e hoje que me 
entendo melhor acredito piamente nisso. Mas isso não quer dizer que eu 
não tivesse outras manifestações daquilo que chamam de “conduta motora 
repetitiva” [se é que balançar o corpo se enquadra nessa categoria. Se 
não for o caso, relevem. Sou (quase) leigo no assunto; só sei do que 
vivo].
Como acontece com qualquer criança, autista ou não, algumas situações
 faziam com que eu me sentisse feliz, triste, com medo, confuso, 
desconfiado, empolgado, etc. E isso tudo, geralmente, vinha em forma de 
uma enxurrada de sensações com as quais eu não sabia ou não conseguia 
lidar, pelo fato de que não conseguiria definir e entender o que eu 
estava sentindo. Isso, por sua vez, talvez ocorresse porque eu não era 
capaz de identificar estes mesmos sentimentos nas pessoas ao meu redor. 
Eu não podia perceber o que elas sentiam somente por meio das suas 
expressões faciais. Foi assim por muito tempo e até hoje, imagino, tenho
 certa dificuldade. Dessa forma, ao não ser capaz de “ler” e entender os
 sentimentos alheios, eu não tinha quaisquer referências para 
compreender os meus próprios.
As sensações desconhecidas, fossem boas ou ruins, me provocavam 
reações nem um pouco comuns ao que podia ser considerado “normal” pelas 
pessoas. Assim, quando ficava feliz ou satisfeito – ganhar um presente, 
saber que finalmente iria a um lugar que desejava ir, comer algo que 
estava com vontade –, minha reação era, basicamente, bater palmas, bater
 as mãos nos joelhos ou esfregá-las nas pernas e depois bater palmas 
outra vez, repetindo isso inúmeras vezes até que houvesse alguma 
interferência. Era algo espontâneo, mais forte que eu; quando me dava 
conta, já estava fazendo isso. Entretanto, para as pessoas, lógico, se 
tratava de algo muito esquisito. Na verdade, até hoje não sei o que 
exatamente elas pensavam sobre esses meus gestos. Mas sei, e muito bem, o
 que elas faziam quanto a isso. Na família, principalmente, costumavam 
me imitar ou me lembrar disso quase sempre. Na escola, não lembro de ter
 acontecido com tanta frequência, mas me recordo de alguns colegas terem
 perguntado vez ou outra por que eu fazia aquilo. Por um ou por outro 
motivo, por volta dos 10, 11 anos de idade comecei a perceber que 
aqueles gestos eram considerados estranhos pelos demais. E assim, como 
foi com várias outras coisas, passei a escondê-los ou, quando não era 
possível, disfarçá-los o máximo que pudesse. Não foi fácil, mas com o 
tempo fui me adaptando, até chegar ao ponto de no máximo esfregar as 
mãos nos joelhos, num gesto tão discreto que quase sempre passava 
despercebido (embora dentro de casa, quando estava sozinho, eu me 
liberasse do peso de ter que me controlar).
Quando estava nervoso ou ansioso os alvos eram minhas mãos. 
Uma se esfregava à outra, depois se contorciam para lá e para cá, a 
esquerda apertando a direita com força e vice-versa. Com isso, no 
entanto, ninguém nunca implicou, pelo menos não o suficiente para fazer 
com que eu tivesse que começar a disfarçar. Se as pessoas não percebiam 
ou simplesmente não julgavam relevante o bastante para comentar sobre, 
já não sei dizer.
Por fim, a reação mais problemática de todas: a provocada por minha 
sensação de tristeza, medo ou irritação. Sobre essa nunca houve qualquer
 comentário ou piada. O motivo é simples: eu jamais fazia isso na frente
 das pessoas, me limitando a explodir em casa, no máximo (e ainda
 assim nem sempre) diante da minha mãe. Basicamente, eu precisava me 
autoagredir, da maneira que fosse, o que era às vezes — aí sim — 
acompanhado do típico balançar o corpo. Era beliscão no braço, na 
barriga, nas pernas, esfregão nos braços como se quisesse arrancar toda a
 pele deles e, eventualmente, tapas (cuja intensidade dependia do que eu
 estava sentindo) pelo corpo todo. Por sorte nunca cheguei a me machucar
 de maneira grave. Mas é um instinto com o qual ainda tenho de lidar 
algumas vezes.
Imagino que este último caso esteja relacionado ao que chamam, em inglês, de meltdown
 — não sei como seria o termo em português; talvez ‘crise’, como 
sugerido pela minha psicóloga. Essas reações violentas vinham, quase 
sempre, como resposta a algo que eu havia vivenciado e que, no caso, 
tinha feito me sentir mal: uma quebra inesperada de rotina, uma 
frustração por algo que eu esperava muito não ter acontecido, uma 
situação qualquer na escola. Porém, independente de onde fosse o 
ocorrido, minhas ‘crises’ só aconteciam em casa. Se algo desagradável 
acontecia na escola, eu me aguentava até chegar em casa, e lá explodia. 
Não sei explicar a razão disso, mas talvez fosse porque em casa me 
sentia seguro o bastante — e longe da vista de estranhos — para fazê-lo.
Ainda aproveitando o tema, alguns pais me perguntaram o que eu fazia 
quando sentia que ia ter uma ‘crise’. A resposta pode parecer simplista 
demais, mas posso dizer que funcionava na maioria das vezes. Foi algo 
que acabei descobrindo sozinho, embora com alguma influência da minha 
mãe, imagino. No caso, quando começava a me sentir mal ou 
“desorganizado“, procurava algo que me agradasse — geralmente 
relacionado a um dos meus interesses específicos. Assim, ia aos poucos 
me sentindo melhor, aquietando aquelas sensações todas e, 
consequentemente, voltando a um emocional mais estável. Depois de algum 
tempo, o simples fato de tentar pensar sobre algum dos meus assuntos 
preferidos já era suficiente para me deixar bem (tanto que mantenho a 
prática até hoje). Fica, portanto, a dica; por mais que ela não seja 
eficiente em casos extremos, vale a pena tentar!
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