Desde que esta coluna iniciou, apresentei as características dos
Transtornos do Espectro do Autismo e a visão da Análise do Comportamento
acerca desse diagnóstico; em seguida, apresentei aspectos da avaliação
de repertório inicial que é feita no começo da intervenção; então,
discuti os procedimentos para analisar e minimizar comportamentos
inadequados; finalmente, apresentei procedimentos comportamentais
utilizados no ensino de novas habilidades. Agora, inicio uma sequência
de artigos que irão se aprofundar no ensino de cada categoria de
habilidades para crianças com desenvolvimento atípico.
Hoje, tratarei do ensino de habilidades pré-acadêmicas e acadêmicas.
Essa categoria de habilidades é uma das que exige mais estrutura,
concentração e motivação para a aprendizagem, já que se trata de
conteúdos acadêmicos que, normalmente, não são os preferidos das
crianças com desenvolvimento típico ou atípico. Por isso, para garantir a
atenção e a concentração necessárias, os treinos de habilidades
pré-acadêmicas e acadêmicas são feitos em tentativas discretas, ou seja,
com a apresentação da tríplice contingência limpa, pura e direta:
Antecedente à Resposta à Consequência. A principal característica do
modelo de tentativas discretas é o máximo controle possível das
variáveis ambientais no momento da aprendizagem. Então, o terapeuta
apresenta apenas o estímulo antecedente (visual, auditivo, tátil, etc.),
buscando evitar que outros estímulos ambientais presentes interfiram no
controle da resposta.
Nos treinos dessas habilidades o terapeuta apresenta o modelo, estímulo
ou instrução (a depender da habilidade que está sendo ensinada); dá a
ajuda ou dica necessária para a criança responder sem erro, começando de
uma ajuda mais intrusiva e passando, gradualmente, para ajudas mais
leves; e, finalmente, reforça a resposta com o acesso a um item do
interesse da criança, juntamente com elogio e outros reforçadores
sociais. Vale enfatizar que, neste modelo de ensino (tentativa discreta)
os estímulos antecedentes devem ser claramente delimitados para cada
tentativa, tal como as consequências que serão disponibilizadas após o
responder.
A estimulação antecedente que será utilizada depende do procedimento de
ensino escolhido que, por sua vez, depende dos pré-requisitos que a
criança já possui. Por exemplo, se a criança já aprendeu a imitar,
pode-se utilizar a modelação para ensinar novas respostas. Esse
procedimento consiste em dar o modelo do comportamento final para a
criança imitar. Tal ensino tem como vantagem a rapidez da instalação da
resposta, pois torna possível o reforçamento do comportamento esperado
direto em sua topografia final. Por isso, quando a criança ainda não
sabe imitar, a intervenção comportamental deve se focar no ensino dessa
habilidade, que vai facilitar o ensino de habilidades mais complexas.
O treino de imitação consiste na apresentação de um movimento pelo
terapeuta acompanhado ou não da instrução “Faça igual”. Essa instrução
não é fundamental para a aprendizagem, já que o objetivo desse treino é
que a criança fique sob controle de um estímulo antecedente visual: o
movimento feito pelo terapeuta. Por isso, é importante que não seja dada
a instrução do movimento a ser feito, por exemplo: “Bata palmas”. Se
for dar alguma instrução essa deve ser neutra e igual para todos os
movimentos, como: “Faça igual”. Afinal, se o terapeuta faz o movimento
(estímulo visual) e dá a instrução do que a criança deve fazer (estímulo
auditivo) não temos como saber se ela respondeu sob controle do
estímulo visual (imitou) ou se ela respondeu sob controle do estímulo
auditivo (seguiu a instrução). Nesse caso, não teremos como afirmar que a
criança sabe imitar ou sabe seguir instruções. Principalmente com
crianças com desenvolvimento atípico, que não aprendem facilmente em
situações naturais, é importante treinar discriminações com apenas um
tipo de estímulo antecedente, para garantirmos que a criança realmente
está aprendendo a responder a cada uma das possíveis estimulações
antecedentes. Essa preocupação não existe no ensino tradicional, pois
sabemos que as crianças com desenvolvimento típico aprenderão
naturalmente a responder sob controle de estímulos auditivos e visuais,
mesmo que eles ocorram juntos.
Ainda sobre o treino da imitação, durante o modelo o terapeuta deve
garantir que a criança olhe para ele, pois só assim poderemos garantir
que sua resposta foi evocada por esse estímulo. Se a criança não olhar, a
tentativa deve ser reiniciada com mais motivação. Uma dica é o
terapeuta fazer o movimento com o reforçador em suas mãos, para atrair a
atenção e o olhar da criança. No início do treino o terapeuta deve dar
ajuda total para a criança imitar o movimento imediatamente depois do
modelo, pegando em sua mão e fazendo o movimento junto com ela. Aos
poucos essa ajuda vai sendo retirada, tornando o responder cada vez mais
independente.
Os movimentos utilizados no treino da imitação devem ser movimentos
funcionais, ou seja, que a criança possa usar no dia-a-dia. Pode-se
utilizar movimentos amplos, como bater palmas, levantar os braços, abrir
e fechar os braços, etc.; movimentos finos, como levantar o polegar
fazendo o sinal de “Jóia”, movimento de pinça, abrir e fechar as mãos,
etc.; movimentos orais, como abrir a boca, fazer bico, selar os lábios,
etc.; ou, ainda, movimentos com objetos, como guiar um carrinho, pentear
o cabelo, abrir e fechar a lancheira, etc. Entretanto, é importante
enfatizar que o principal objetivo desse treino não é que a criança
aprenda esses movimentos para usá-los no dia-a-dia, mas sim que ela
aprenda a imitar qualquer movimento feito pelo outro. Porém,
aproveitamos a situação para ensinar movimentos úteis para a vida da
criança, ao invés de treinar a imitação com movimentos sem função clara
no dia-a-dia dela.
Depois que a criança aprendeu a imitar e demonstra generalização dessa
habilidade (imita quaisquer movimentos, inclusive os não treinados,
feitos por outras pessoas que não o terapeuta e em outros lugares que
não a sala de terapia), podemos utilizar a modelação como procedimento
de ensino de muitos outros comportamentos mais complexos.
Se a criança ainda não aprendeu a imitar, o procedimento de ensino usado
deve ser a modelagem. Esse procedimento consiste na construção do
comportamento por reforçamento diferencial em aproximações sucessivas.
Isto é, começamos reforçando qualquer aproximação do comportamento final
a ser instalado e, gradualmente, vamos exigindo uma resposta cada vez
mais semelhante ao comportamento final e mais refinada.
A modelagem poderia ser usada, por exemplo, no treino do contato visual,
que é um dos treinos que devem compor o primeiro currículo de
intervenção da criança. Tal como a imitação, o contato visual também é
pré-requisito para o aprendizado de muitas outras habilidades, por isso,
é considerado uma habilidade pré-acadêmica, além de social.
Provavelmente, a criança ainda não imita quando ensinamos o contato
visual e, além disso, essa é uma habilidade difícil de ser imitada, por
isso, o ideal é utilizar a modelagem.
O comportamento final esperado no treino de contato visual é olhar nos
olhos do outro quando chamado e manter o contato visual durante toda a
interação que se seguir a esse chamado. Entretanto, não podemos exigir
esse comportamento final direto, pois ele é difícil para as crianças com
autismo. Então, vamos modelando esta resposta, começando por reforçar o
direcionar o rosto para o terapeuta que chamou, mesmo que os olhos da
criança não se direcionem para os olhos do terapeuta. O terapeuta deve
ficar na frente da criança e esta não deve estar com nada na mão e nem
distraída com um vídeo. Então, o terapeuta chama a criança pelo seu nome
e, em seguida, diz “Olha para mim”. Se a criança, pelo menos, levantar a
cabeça em direção ao terapeuta este já deve liberar o acesso ao
reforço. Se a criança não responder, o terapeuta deve dar ajuda
levantando sua cabeça ou direcionando seu rosto para o rosto dele e, em
seguida, reforçar essa resposta.
Depois que conseguimos aumentar a frequência da resposta de direcionar o
rosto para o rosto do terapeuta, podemos dar mais um passo e aumentar a
exigência. Então, a resposta de direcionar o rosto sem olhar nos olhos
já não é mais reforçada e passamos a reforçar somente a resposta de
realmente olhar nos olhos do terapeuta por, pelo menos, um segundo. A
contingência é a mesma já descrita acima, porém, nesta etapa pode ser
necessário usar outros tipos de dicas, como levar um objeto de interesse
da criança até perto dos olhos do terapeuta, para direcionar seu olhar
para lá.
Continuando com a modelagem, quando a criança já estiver olhando por um
segundo nos olhos do terapeuta quando chamada de forma independente, ou
seja, sem nenhum tipo de ajuda (virar o rosto dela) ou dica (reforçador
próximo do olho do terapeuta), podemos aumentar a exigência. O próximo
passo seria reforçar apenas o contato visual que se mantenha por, pelo
menos, dois segundos. Depois passamos a exigir a manutenção do contato
visual por três segundos, quatro, cinco e assim por diante.
Nesta fase de reforçamento da duração do contato visual uma estratégia
que pode contribuir é contar em voz alta a passagem do tempo. Orientei
uma terapeuta a usar esta estratégia com um garoto autista de quatro
anos. Deu certo, ela conseguiu instalar contatos visuais prolongados.
Porém, o garoto contava junto com ela enquanto mantinha o contato
visual, o que tornava este comportamento estranho e artificial. Por
isso, tão importante quanto inserir essas estratégias que auxiliam na
instalação do comportamento, é retirá-las no momento certo, para deixar o
comportamento mais natural.
Paralelamente ao ensino destas e de outras habilidades pré-acadêmicas,
iniciamos o ensino de habilidades acadêmicas. Nessa categoria ensinamos
muitos conteúdos que fazem parte do currículo escolar por meio de
discriminações condicionais. Essas contingências consistem na
apresentação de um estímulo condicional (ou estímulo modelo) que é
condição para um dos estímulos comparação ser o estímulo discriminativo
(ou S+, estímulo correto) e os demais estímulos comparação serem
estímulos delta (ou S-, estímulos errados).
No ensino de conteúdos acadêmicos para crianças autistas utilizamos,
primordialmente, dois grupos de discriminação condicional: 1) a
discriminação auditivo-visual; 2) a discriminação visual-visual. A
primeira consiste em uma identificação de estímulos visuais, ou seja, o
terapeuta apresenta três estímulos visuais na mesa (números, letras,
objetos, palavras, animais, cores, formas geométricas, etc.) que são os
estímulos comparação. Então, o terapeuta faz a resposta de observação,
isto é, mostra cada estímulo para a criança, levando o dedo dela até
cada um para garantir que ela olhe. Em seguida, o terapeuta fala o nome
de um dos estímulos (estímulo condicional auditivo), tornando este
estímulo o discriminativo (S+ ou correto). A criança deve apontar ou
pegar o estímulo falado pelo terapeuta com ou sem ajuda para ter acesso
ao reforçador.
A discriminação visual-visual, por sua vez, consiste no pareamento de
estímulos iguais ou correspondentes. Neste caso, o terapeuta apresenta
os três estímulos comparação visuais na mesa (números, letras, objetos,
palavras, animais, cores, formas geométricas, etc.), faz a resposta de
observação e dá um estímulo modelo (condicional) também visual na mão da
criança para ela parear (colocar em cima ou ao lado) com o estímulo
comparação igual ou correspondente. O pareamento com estímulos
correspondentes pode ser, por exemplo: números com as respectivas
quantidades; imagens com suas letras iniciais; imagens com palavras;
letras cursivas com letras bastão; animais com habitats ou alimentos;
etc.
Outra discriminação condicional visual-visual muito usada para trabalhar
conteúdos acadêmicos é a categorização. Esse treino consiste em
apresentar três (ou mais) recipientes iguais, cada um com uma imagem que
represente uma categoria, por exemplo: roupas x comidas x brinquedos;
animais x plantas x objetos; animais terrestres x animais aquáticos x
animais aéreos; coisas vermelhas x coisas amarelas x coisas azuis;
categorias de imagens que começam com cada letra do alfabeto (Quadro
Fonético); etc. Depois de apresentar os recipientes garantindo que a
criança olhe para cada um e nomear as categorias, o terapeuta dá, a cada
tentativa, um estímulo visual para a criança colocar na categoria
correspondente.
Nas discriminações, também é importante separar estímulos antecedentes
auditivos e visuais para garantir que a criança aprenda a responder sob
controle de ambos. Então, nas identificações (discriminação
auditivo-visual) o terapeuta deve apenas falar o estímulo a ser
identificado, sem mostrar nenhum estímulo visual igual ou
correspondente. Nos pareamentos e categorizações (discriminação
visual-visual), por sua vez, o terapeuta deve apenas dar o estímulo
modelo visual na mão da criança para ela parear com o igual ou
correspondente, sem falar o nome do estímulo comparação com o qual ela
deve parear. Assim, garantimos que a criança aprenda cada uma destas
discriminações que são fundamentais para o aprendizado de conteúdos mais
avançados como, por exemplo, alfabetização e matemática.
Um procedimento muito utilizado nas discriminações condicionais é o
fading. Esse procedimento consiste na manipulação da dica de forma
gradual para exigir cada vez mais independência e evitar erros. Podemos
fazer dois tipos de fading: 1) o Fading in dos estímulos errados,
isto é, começamos o treino apresentando apenas um estímulo comparação
que, obviamente, será o estímulo correto (a ser identificado ou
pareado), e os estímulos incorretos vão aparecendo gradualmente,
aumentando o grau de dificuldade a cada etapa; 2) Fading out da dica, isto é, uma dica que guia a resposta para o estímulo correto vai sendo retirada gradualmente.
Outro cuidado importante nos treinos de discriminação é a randomização
dos estímulos a cada tentativa. Mudar os estímulos comparação de posição
evita que o responder da criança fique sob controle da posição de cada
estímulo, ao invés de ficar sob controle do conceito ou característica
que se deseja ensinar. Por exemplo, se estamos treinando a identificação
de cores e mantemos o vermelho sempre do lado esquerdo da criança, o
azul no meio e o amarelo do lado direito da criança, ela pode aprender
que sempre que ouvir o terapeuta falar “vermelho” deve pegar o estímulo
da esquerda, sempre que ouvir “azul” deve pegar o estímulo do meio, e
sempre que ouvir “amarelo” deve pegar o estímulo da direita. Ou seja,
corremos o risco de a criança aprender apenas a discriminar posições e
não a característica do estímulo que queremos ensinar, no caso, a cor.
No próximo artigo continuarei a falar sobre ensino de habilidades
acadêmicas. Vou dedicar o artigo todo para descrever o uso da
equivalência de estímulos na alfabetização de crianças com atrasos no
desenvolvimento e dificuldades cognitivas. Até lá!
Referências Bibliográficas:
Catania, A. C. (1999). Operantes: A Seleção do Comportamento. Em
Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição. (D. G. de Souza,
Coord. Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado
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Sério, T. M. A. P., Andery, M. A., Gioia P. S. & Micheletto, N.
(2005). Os conceitos de discriminação e generalização. Em Controle de
estímulos e comportamento operante: uma nova Introdução. São Paulo:
Educ.
Skinner, B. F. (2007). Modelagem e Manutenção do Comportamento Operante.
Em Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.
Publicação original de 1953. Skinner, B. F. (1982). O Perceber. Em Sobre
o behaviorismo. Tradução de Maria da Penha Villalobos. São Paulo:
Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo. Publicação original de
1974.
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