FERNANDO TADEU MORAES
Assim que a cortina desceu e o teatro lotado começou a aplaudir, Wilker
Vilela, 12, ficou feliz com a sua estreia nos palcos. "Gostei, é muito
bom o calor dos aplausos."
Wilker é um dos 21 jovens do projeto Aut, que busca, por meio do teatro,
ajudar crianças com autismo a melhorar suas habilidades sociais e a
superar dificuldades de comunicação.
Ze Carlos Barretta/Folhapress | ||||
Wilker Vilela, 12, encena peça musical no teatro Dias Gomes, em SP |
"Para ser um ator é necessário se expor ao público, esperar a vez de
entrar, interagir, passar um certo charme. Tudo o que uma criança com
autismo não tem", diz a neuropsicóloga Tatiane Ribeiro, que montou o
projeto com a ajuda da também especialista em neuropsicologia Liège
Felício, da fonoaudióloga Lais Mazzega e do diretor Deto Montenegro.
Depois de um ano de ensaios semanais, a estreia do musical teatral aconteceu no mês passado, no teatro Dias Gomes, em São Paulo.
No início, conta Ribeiro, os jovens não olhavam uns para os outros,
apenas para baixo. O som alto, o ambiente apertado da coxia e a
expressão das emoções em cada fala foram dificuldades superadas pelos
agora atores.
Apesar de o objetivo inicial não ter sido uma terapia formal, as aulas
de teatro acabaram dando resultados. A melhora na empatia dos jovens
será medida por testes.
Esse tipo de atividade em grupo tem sido cada vez mais procurada pelos
pais das crianças com autismo, segundo a psicóloga Roberta Marcello,
diretora do instituto Priorit, no Rio.
"O foco é estimular a troca social das crianças", diz ela. Entre as
atividades oferecidas na Priorit, especializada no tratamento de
crianças com autismo e deficit de atenção, estão a capoeira, o judô, o
canto e o desenho, indicadas a partir dos quatro anos de idade e
realizadas com terapeutas que as adaptam à realidade do transtorno.
Segundo a psicóloga, muitos pais buscavam essas atividades em escolas normais, mas as crianças não conseguiam se adequar.
"É importante não só contornar as dificuldades da criança mas estimular suas habilidades", diz Marcello.
Segundo a psicóloga Caia Pacífico, colaboradora no Ambulatório de
Autismo do IPq (Instituto de Psiquiatria) da USP, essas atividades não
podem ser consideradas terapias, pois carecem de evidências científicas,
"mas podem ter caráter terapêutico, na medida em que favorecem uma
interação com o outro".
TERAPIAS
Entre os tratamentos individuais do autismo, destacam-se as terapias
comportamentais e a psicanálise, sendo que a última tem sido alvo de
críticas pela alegada falta de estudos científicos que comprovem seus
resultados.
O método ABA (análise aplicada do comportamento, em inglês), usado desde
a década de 1960, baseia-se em programas estruturados sob a ideia de um
comando, um comportamento resultante (reação ou falta de reação) e uma
consequência, como a recompensa por um comportamento desejado, explica a
psicóloga comportamental Cláudia Romano, diretora do grupo Gradual.
"Há programas para desenvolver a sociabilidade, treinar o uso do
banheiro, para alfabetização, linguagem etc.", completa Pacífico.
Já o Teacch (Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Deficits
relacionados com a Comunicação), desenvolvido no início dos anos 1970,
usa estímulos visuais, como figuras, e corporais, como gestos, para a
comunicação.
A psicanálise, por outro lado, não se concentra nos sintomas. Segundo
Vera Regina Fonseca, diretora científica da Sociedade Brasileira de
Psicanálise, o método busca a superação das dificuldades de
relacionamento da criança por meio de jogos e da participação ativa do
analista, como objeto de desenvolvimento da criança.
O objetivo é que ela consiga compartilhar emoções e compreender o que outras pessoas estão sentindo.
"Buscamos identificar quem a criança é, e não como gostaríamos que ela
fosse. As outras terapias têm uma ideia de como a criança deve ser."
O Centro de Educação Terapêutica Lugar de Vida, em São Paulo, usa uma
abordagem que mescla a psicanálise com a educação e também as atividades
em grupo.
"Partimos da ideia de que a educação constrói a subjetividade e molda um
modo de ser e como a criança se relaciona com os outros", diz Maria
Cristina Kupfer, uma das fundadoras da instituição.
Uma característica do local são os grupos de educação terapêutica.
"Formamos minigrupos com crianças com diferentes dificuldades, formando
uma pequena experiência do que seria uma socialização de fato", diz
Cristina Keiko, do conselho administrativo da instituição. Entre as
atividades propostas estão oficinas de música, de cozinha e de escrita.
Maria Eugênia Pesaro, também da Lugar de Vida, diz que há uma busca por
dar voz à criança autista: "Isso não significa que ela tenha de falar, o
objetivo é que o que quer que a criança produza, seja fala, seja outro
meio de expressão, tenha a ver com querer estar com o outro."
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