Pesquisador brasileiro cria um modelo de pesquisa e um tratamento - em teste - para a doença ainda sem cura
Mônica Tarantino 
Conheça, em vídeo, autistas que, apesar da doença, são geniais:
Pela primeira vez na história, um grupo 
de cientistas conseguiu recriar, em laboratório, células nervosas do 
cérebro de crianças autistas. Antes desse feito, só era possível estudar
 neurônios de crianças autistas a partir de amostras tiradas de cérebros
 já sem vida. “Enfim obtivemos células vivas com as mesmas 
características genéticas daquelas encontradas no cérebro de crianças 
autistas”, diz o geneticista brasileiro Alysson Muotri, 38 anos, que 
liderou o trabalho pioneiro e dirige um laboratório de pesquisa que leva
 seu nome na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

ESPERANÇA 
Ivan, 7 anos, doou amostras de células para o projeto que estuda as origens do autismo. 
Sua mãe, a modelo Andrea, acredita que em breve surgirão novas terapias contra a doença
Foto: Pedro Dias
O novo modelo de estudo está permitindo 
descobertas importantes para esclarecer a origem da doença neurológica 
que acomete, com forma e intensidade variada, uma em cada 88 crianças, 
de acordo com estatísticas recentes do Centro de Controle de Doenças dos
 Estados Unidos, o CDC. “Agora podemos acompanhar sua evolução desde o 
início”, diz Muotri. 
Os cientistas já conseguiram ver, por 
exemplo, que os  neurônios das crianças autistas são menores e têm menos
 dendritos (extremidades que atuam na troca de estímulos entre células 
nervosas e com o meio em que estão inseridas) desde a sua formação. Na 
tentativa de corrigir a forma e o funcionamento desses neurônios 
diferenciados, foram testados medicamentos. O estudo que narra essas 
conquistas científicas foi publicado pela revista científica Cell.
Agora, remédios estão sendo testados com
 o intuito regularizar a forma e as funções desses neurônios alterados. 
Um deles foi o IGF-1, um hormônio semelhante à insulina e que é 
ministrado a pessoas com problemas de crescimento. No laboratório de 
Muotri, o IGF-1 reverteu a condição autista dos neurônios, igualando-os 
aos neurônios de crianças não autistas.
A etapa seguinte foi avaliar o efeito 
desse medicamento em pacientes de autismo. Na Itália e nos Estados 
Unidos, estão em andamento estudos para avaliar os efeitos do IGF-1 em 
pacientes com Síndrome de Rett. Os portadores dessa síndrome, que 
acomete 1% dos autistas, podem perder a coordenação motora, sofrer de 
rigidez muscular e morrer ainda na juventude.  Espera-se que o remédio 
possa ter efeito também sobre outros tipos de autismo. 
A segunda e mais recente descoberta 
feita por Muotri e seus colaboradores foi um novo gene diretamente 
associado às alterações na forma e funcionamento dos neurônios de 
autistas com a Síndrome de Rett. O achado foi feito a partir do 
sequenciamento do DNA das células de um menino brasileiro. Este estudo, 
ainda inédito, está sob análise para publicação em revista científica. 
Em laboratório, foi testada uma nova 
molécula, a hyperforina, que se mostrou capaz de corrigir o 
funcionamento dos neurônios vivos recriados com características 
autistas. 
O resultado foi animador a ponto de a 
equipe ministrar a substância à criança que doou o dente de leite do 
qual foram derivados os neurônios estudados. “Foi um passo importante 
para uma futura medicina personalizada”, avalia Muotri.
Com o uso da medicação, os pesquisadores
 observaram na criança uma melhora da capacidade de manter a atenção. 
Porém acreditam que ainda muito cedo para relacionar a mudança aos 
medicamentos porque a terapia foi interrompida por questões familiares.
Em outra frente de pesquisa, a 
geneticista Maria Rita Passos-Bueno, do Centro de Estudos do Genoma 
Humano (CEGH) da USP, também parceira de Muotri, está seqüenciando o DNA
 dos neurônios cultivados em laboratório de crianças autistas. Ela 
descobriu que falta ou sobra um pedaço de DNA a uma população que pode 
ser de até 10% dos autistas.
O teste que detecta essa variação, 
conhecido pela sigla aCGH, está em vias de ser lançado comercialmente 
pelo Centro de Estudos do Genoma Humano, da USP. “Ele oferece 15% de 
acerto na identificação do autismo. Os outros testes existentes chegam a
 10%”, explica a  cientista Maria Rita. 
Esse conjunto de achados científicos 
está revigorando as esperanças dos pais de autistas. “Ter no que 
acreditar torna a vida mais leve”, diz a modelo Andrea Coimbra, 43 anos,
 mãe de Ivan, 7 anos, que participou do projeto Fada do Dente. Ela 
sempre evitou dar remédios para acalmar o filho, às vezes bastante 
agitado, porque aguarda o resultado das pesquisas. “Espero um 
medicamento que seja específico para sua forma de autismo e mutações 
genéticas. Acho que esse dia não está longe”, diz Andrea.
Células copiadas 
O primeiro passo para a criação desse 
novo modelo de pesquisa – com neurônios vivos derivados de pacientes com
 doenças neurológicas -- teve início com a coleta de amostras da polpa 
do dente de crianças com autismo. 
Para obter o maior número possível, o 
geneticista Alysson Muotri e seus colaboradores criaram o projeto Fada 
do Dente, que estimula os familiares de autistas no Brasil e nos Estados
 Unidos a enviarem pelo correio os dentes de leite dos filhos.
Em seguida, algumas dessas amostras 
foram submetidas à técnicas de reprogramação celular, inventadas por 
cientistas japoneses, para fazê-las regredir até um estágio similar ao 
de uma célula-tronco embrionária, que pode se tornar qualquer tecido do 
corpo 
“Para promover essa transformação, 
recorremos a quatro genes presentes em células-tronco embrionárias, 
aquelas que podem evoluir e se diferenciar em qualquer tipo de tecido do
 corpo”, explica a geneticista Patrícia Braga, do Laboratório de 
Células-Tronco da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de 
São Paulo (USP) e parceira de Muotri em seus estudos. A geneticista 
atualmente trabalha na comparação das informações genéticas fornecidas 
pela análise do DNA de dez crianças autistas. 

BASE MOLECULAR 
A geneticista Patrícia Braga, da USP, está analisando o código genético de neurônios recriados 
em laboratório de dez crianças autistas. Ela procura um denominador comum entre os vários tipos da doença
Foto: João Castellano 
A geneticista Patrícia está trabalhando 
na interpretação das informações geradas pelo seqüenciamento genético 
dos neurônios recriados em laboratório de dez crianças autistas. O 
objetivo é agrupar os pacientes com mutações semelhantes em busca de um 
denominador comum entre os vários tipos de autismo. “Começamos a ver que
 existem variações comuns que compõem uma base molecular da doença”, diz
 ela.
Os genes selecionados são conduzidos até
 o núcleo das células-tronco da polpa do dente de leite por um vírus 
modificado em laboratório e que tem a capacidade de infectar o núcleo da
 célula, exatamente onde fica guardado o código genético (o DNA). Ali 
chegando, o vírus despeja sua carga – os genes que vão modificar o DNA 
e, desse modo, alterar o funcionamento dessa célula.
Três semanas após terem sido infectadas,
 as células-tronco da polpa do dente se tornam células-tronco 
pluripotentes ou embrionárias induzidas (iPS). O passo seguinte é 
converter essas células em neurônios. Para que isso aconteça, elas são 
colocadas em um meio líquido contendo as moléculas necessárias para sua 
estimular a mudança.
Ao evoluir para neurônios, as células 
carregam a predisposição ao autismo. Isso permite observar a evolução da
 doença desde estágios precoces e a avaliação do efeito de medicamentos.
Multinacionais farmacêuticas especulam a
 possibilidade de usar o novo modelo para testar novos medicamentos para
 doenças neurológicas e psiquiátricas.  
NA TELINHA DA TEVÊ
Na trama da novela Amor à Vista, de 
Walcyr Carrasco, transmitida às 21 horas pela Rede Globo, a atriz Bruna 
Linzmeyer vive uma garota autista de 20 anos. É uma oportunidade ímpar 
para dar visibilidade ao drama que envolve pelo menos 1 milhão de 
brasileiros com algum grau de autismo. 
“Estima-se que 1% da população mundial 
tenha autismo”, diz Estevão Vadaz, coordenador do Projeto Autismo no 
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de 
 São Paulo. No Brasil, menos de 10% dos casos são diagnosticados. 
A situação se mantém inalterada apesar 
da aprovação da lei Berenice Piana, em dezembro de 2012, que garante aos
 autistas os mesmos direitos de outros portadores de deficiências.
“A lei precisa ser implementada. Não há 
profissionais treinados, não há escolas com os recursos mais atuais para
 sua educação, não há medicamentos”, afirma Vadaz. 
No mês passado, a USP pediu novamente à 
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a aprovação de dois 
remédios para tratar crianças autistas. 
O mesmo pedido de aprovação foi negado 
antes pela ANVISA sob a argumentação de falta de comprovação dos 
benefícios. “É um absurdo. São os mesmos remédios já aprovados nos 
Estados Unidos, Europa, Escandinávia e Austrália, mas que custam muito 
caro aqui por falta dessa aprovação e são alvo de muitas liminares”, diz
 o psiquiatra Vadaz. 
Frente ao atraso do País no 
enfrentamento da  doença e diante dos avanços científicos recentes, o 
governo brasileiro discute com Muotri a criação de um centro de 
referência para diagnóstico, tratamento e pesquisa do autismo. Tomara 
que saia do papel e se torne realidade antes da novela das nove acabar.  
   
SOBRE O AUTISMO
- Transtorno neurológico que afeta a comunicação, a sociabilidade e o comportamento
-
  Estima-se que existam 2 milhões de autistas nos EUA. Os cuidados com 
essa população são parcialmente assumidos pelo governo americano e 
consomem US$ 137 bilhões de dólares por ano. 
- No Brasil, acredita-se que existam 1 milhão de autistas, 90% deles não diagnosticados. 
-
 Em dezembro de 2012, foi aprovada a Lei Berenice Piana, que estende aos
 autistas os mesmos benefícios concedidos aos deficientes (creches, 
tratamento no SUS, intervenções precoces, tratamento odontológico)

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