De: Fábulas do Argemiro
Uma vez, uma coruja, em seus voos de
reconhecimento pela mata, percebeu um pequeno braseiro deixado para trás
por um grupo de humanos. As brasas crepitavam sob a fina camada de
terra com que os homens as cobriram.
Sabe como é o fogo: teimoso, insiste em permanecer ardendo, escondido
nas cinzas. Preocupada, a ave procurou os outros animais, com a intenção
de avisar a todos e tomarem uma providência.
O macaco, um dos mais hábeis da floresta, logo se animou, com os olhos a brilhar:
- "Fogo? Hummm... se os humanos deixaram
aceso, com certeza poderemos tirar algum proveito. Quem sabe não seria
um presente que nos deixaram? Eu poderia assar uns pinhões, batatas..."
A coruja, prudente, alertou:
- "Fogo é perigoso. Para lidar com ele, é
preciso muita habilidade e sabedoria. Não atende a todos. Os homens
fazem dele um bom uso e, mesmo assim, volta e meia encaram incêndios que
não podem controlar!"
O macaco deu de ombros:
- "Deixa de ser agourenta, ave egoísta!
Você, que vive enfurnada nos telhados dos homens, deve se fartar com as
guloseimas que preparam no fogão! Ou, então, pensa assim porque não tem
mãos como as minhas para
manipular as brasas e as batatas - aliás, nunca ouvi falar de uma coruja
que soubesse aproveitar o bom paladar que frutas e folhas têm! Vive de
comer camundongos!"
E, dirigindo-se aos outros animais que escutavam a conversa:
- "Vamos, amigos bichos! Teremos uma
grande melhora na nossa dieta! Nossos filhos ficarão protegidos e
aquecidos! Jaguatirica! Você poderá aproveitar melhor suas caças!
Bicharada, os predadores precisarão matar
menos, pois aproveitarão melhor as carcaças de suas presas! Gralhas!
Pinhão assado é uma delícia, já os comi nas sobras de uma fogueira
apagada! Tamanduá, tatu! Vocês poderão ter suas formiguinhas fritinhas!
Nossos filhos creascerão mais fortes e sadios, tendo
comida mais palatável!" - e fez assim sua pregação, defendendo com
veemência sue ponto de vista.
A coruja, com sua sabedoria ancestral,
posto que seu conhecimento passa das mães para os filhos, balançou a
cabeça. Desceu até o riacho e encheu seu bico de água. Voou até o
braseiro e despejou as gotas que carregava.
Mas seu bico, pequeno, pouco podia fazer. Um colibri, vendo-a, imitou-a.
Outros pássaros fizeram o mesmo, mas não conseguiam apagar as brasas
que, vez por outra, lançavam pequenas faíscas para o alto.
O macaco pôs-se a vociferar, seguido
pelo cachorro-vinagre, pelo tamanduá, pelo quati... Cercando as brasas,
rosnavam para as aves que tentavam conter o fogo que ameaçava renascer
das cinzas. Com um pedaço de
pau, o macaco se pôs a avivar as chamas. A gralha trouxe pinhões. A
jaguatirica pôs para assar uma rolinha que matara ao se aproximar para
cuspir água no braseiro. O fogo se fez alto e os seus adeptos
comemoravam o resultado.
Mas as chamas alcançaram uns ramos secos
que pendiam sobre a pequena clareira que cercava a fogueira. E
alastraram-se. Os bichos que alardearam as vantagens de dominar o fogo
se apavoraram. A jaguatirica urrava,
preocupada com seus filhos, ocultos em um oco de árvore. A tribo do
macaco pulava de galho em galho, buscando uma saída.
A coruja, o colibri e as outras aves que
tentaram evitar o mal que previam, voaram para longe, para esperar que,
findas as chamas, o verde da mata tornasse a brotar. E filosofaram: nem
todo agouro é mau agouro.
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