por Cláudia Marcelino e Priscila Spiandorello
A resposta é bem lógica, mas parece que estamos a cada dia
nos distanciando cada vez mais dela. A vida moderna, cada dia mais
agitada e corrida, está nos empurrando de forma acelerada para um tipo
de alimentação que privilegia a saciar a fome e os desejos, deixando em
segundo plano a estruturação física e o bem-estar.
As mudanças no comportamento humano ditados pela mídia e
por campanhas publicitárias, são percebidas de forma muito clara nos
estabelecimentos de nossos hábitos alimentares mutantes. Estamos
aprendendo a comer por meio de anúncios de televisão, quando deveríamos
estar aprendendo através de livros. É bastante comum ver uma criança
torcendo o nariz para um alimento que não esteja dentro de um pacotinho
colorido.
A máxima pregada pelos pais de “quero dar tudo do bom e do
melhor para o meu filho não se aplica no campo da alimentação. Dar-lhe
tudo do bom e do melhor, em vez de ser alimento natural e verdadeiro,
rico em nutrientes para o corpo (físico) e a alma (psíquico), significa
aqueles inúmeros alimentos industrializados, congelados, cheios de
químicos, conservantes e corantes, que inundam os nossos comerciais de
TV. A falta de uma disciplina para educação alimentar na escola, aliada
ao marketing agressivo direcionado as crianças, a falta de tempo para os
afazeres domésticos da família moderna e a cultura crescente de que o
fogão é peça fundamental para grandes chefs de culinária ou um símbolo
da subserviência da mulher, tem gerado uma corrida à alimentação vazia,
colocando em risco a saúde da população mundial desde muito cedo.
Há pesquisas recentes, como uma feita pela Unifesp e outra
publicada no Jornal de Pediatria, em que constata-se uma introdução
inadequada a alimentação já a partir dos 3 meses de idade em todas as
classes sociais. Refrigerantes, leite de vaca, macarrão instantâneo,
massas, sucos artificiais e bolachas recheadas, são itens bastante
consumidos por bebês a partir dessa idade.
Mas se apelarmos para a nossa memória, não será difícil verificarmos o quanto os hábitos alimentares têm mudado drasticamente.
Minha avó, no café da manhã, consumia leite puro de vaca
deixado nas casas das freguesas diariamente, bem cedinho, por aquele
produtor dono de umas vaquinhas e que também produzia queijo, suco de
frutas do pé, raízes cozidas na hora ou pães feitos em casa. Minha avó
morreu quando eu tinha 11 anos, mas ainda lembro das delícias que ela
fazia na minha primeira infância. No meu café da manhã já foi
introduzido o leite de saquinho, comprado todos os dias na mercearia da
esquina, fervido e bebido com café de grãos moídos na hora na mesma
mercearia e feito no coador de pano, com o pãozinho da padaria ou o
biscoito cream-cracker do supermercado. O café da manhã dos meus filhos
já passou a ser com aqueles cereais “super-saudáveis” que lhes dão uma
saúde “de ferro”, cheio de açúcar e corantes, complementados por leite
enriquecido com água oxigenada e o achocolatado de caixinha com 12
vitaminas e minerais sintéticos.
Asma, bronquite, problemas respiratórios, alergias,
rinites, sinusites, constipações frequentes, sistema imunitário que não
responde, vírus resistentes, distúrbios de aprendizado e comportamento
como hiperatividade, déficit de atenção e autismo ... obesidade,
hipertensão, diabetes, problemas cardíacos... problemas graves para a
saúde pública e galopantes, que deveriam nos pôr a pensar o que estamos
fazendo com as nossas vidas.
Por quê e para quê comemos?
Para nos mantermos vivos, pois o alimento nos fornece a
energia que precisamos. Ok! Mas será somente essa a função do
alimento?!! Os alimentos são fontes de energia, mas também de
nutrientes, como vitaminas e minerais essenciais para o funcionamento
adequado do nosso corpo, além de conter outras substâncias, como os
fitoquímicos, presentes em frutas, verduras e legumes, que têm
propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, auxiliando no
fortalecimento do sistema imunológico, combatendo os radicais livres e
agindo na prevenção de diversas doenças.
Saúde é um estado de completo bem-estar físico, emocional e
social e não apenas a ausência de doença, e ao longo dos anos
descobrimos que alguns alimentos que consumimos contribuem para a nossa
saúde, enquanto outros podem acelerar o processo de doença. É preciso
entender que alimentar-se é diferente de nutrir-se, alimentação tem que
ser prazerosa, faz parte dos nossos hábitos culturais e familiares, mas
precisamos ficar atentos ao que ingerimos, ao que estamos fornecendo
para o nosso corpo, pois o verdadeiro alimento contém a matéria-prima
importante para o funcionamento, para a formação e renovação celular
adequadas do nosso organismo, ressaltando sempre a importância da nossa
individualidade bioquímica, que significa que nem sempre o alimento que
faz bem para uma pessoa fará para outra!
E quando realizamos uma alimentação monótona, com pouca
variedade, com alto consumo de alimentos industrializados, e
conseqüentemente baixa qualidade nutricional, o nosso corpo ficará em
desequilíbrio, respondendo por meio do acúmulo de gordura, enxaquecas,
cansaços inexplicáveis, insônia, depressão, hiperatividade e até mesmo o
aparecimento de doenças auto-imunes e degenerativas. E no autismo? O
quanto a alimentação pode influenciar na melhora ou piora dos sintomas?
Dieta sem glúten e sem caseína
Sabe-se também que uma nutrição correta pode influenciar em nossas
características genéticas, já que a influencia do ambiente corresponde a
cerca de 70% no aparecimento de doenças. E que a nutrição adequada e
individualizada é um importante contribuinte para amenizar as
características e os sintomas das desordens autísticas, ocorrendo
melhora significativa na sociabilidade e comunicação, apesar desse fator
ainda não ser reconhecido oficialmente pela medicina convencional.
Por essa razão, existem várias intervenções nutricionais e
dietas adotadas para auxiliar o tratamento de crianças autistas. As
mais conhecidas são: a dieta sem glúten e sem caseína (SGSC), a dieta de
Feingold, a de Carboidratos Específicos, a BED (Body Ecology Diet) e a
dieta de oxalatos - sendo que a dieta com maior adesão pelas famílias
estadunidenses e inglesas é a SGSC, com relatos de melhoras de sintomas
em torno de 70% dos casos e seguidas pela maioria das famílias afetadas
pelo autismo e que adotam uma dieta ou uma reeducação alimentar como
forma de tratamento. Essa dieta também foi a primeira que começou a ser
divulgada no meio do autismo a partir de 1990, por pesquisadores
ingleses e noruegueses, junto a Universidade de Sunderland (no Reino
Unido), e que consiste basicamente nas retiradas de duas proteínas na
alimentação: o glúten (encontrado em produtos derivados do trigo,
centeio, aveia, cevada e do malte) e a caseína (encontrada nos leites
animais e seus derivados).
Nestes vinte anos de uso da dieta como um meio de
tratamento para estas crianças e os novos conhecimentos que foram sendo
adquiridos pela síndrome, hoje grande parte dos pesquisadores e famílias
admite que na dieta básica sem glúten e sem caseína, ainda seja adotada
a retirada de corantes e produtos químicos e industrializados da base
alimentar destes indivíduos.
Conversando com alguns terapeutas brasileiros que atendem
pacientes nestes países, sabemos que é difícil encontrar uma família que
não faça algum tipo de intervenção nutricional com sua criança, ao
contrário do que ainda ocorre no Brasil, onde uma dieta adequada para a
criança autista ainda é pouco divulgada.
Nestes países, Estados Unidos e Inglaterra, existem
centenas de livros a disposição dos pais para orientá-los a respeito de
uma alimentação adequada, específica e equilibrada para esta população,
livre de agressores e com suporte nutricional eficiente para o bom
desenvolvimento e prognóstico destas crianças.
No Brasil o primeiro livro a falar a respeito do assunto
foi lançado somente este ano: Autismo Esperança pela Nutrição, de
Claudia Marcelino ( editora M.Books, 296 págs., R$ 49,00).
Portanto, a importância dos cuidados com a alimentação,
deve ser desde a infância até a fase adulta, mas uma boa notícia: nosso
corpo diariamente se renova, então sempre se está em tempo de melhorar a
qualidade da nossa alimentação. Quando mudamos o nosso estilo de vida,
melhoramos a nossa vitalidade positiva, nosso humor, nossa maneira de
enxergar o mundo e as pessoas a nossa volta.
Nesse primeiro contato, gostaria de fazer uma reflexão:
por que precisamos comer? Precisamos refletir: que tipo de herança
gostaríamos de deixar para nossos filhos e netos. A relação com sua
saúde, o corpo e o ambiente que eles merecem e estamos deixando passar.
Qual a postura que gostaríamos que nossos filhos tivessem perante a
comida: a de manter a saúde ou a de saciar o desejo consumista?
Claudia Marcelino é mãe de autista,
escritora e, depois de 16 anos como doceira e banqueteira no Rio de
Janeiro (RJ), desde 2006 é criadora de receitas criativas, como diversos
tipos pães sem glúten e sem leite e panquecas sem ovos, todas no seu
blog, Dieta SGSC (dietasgsc.blogspot.com), além de manter o site Autismo em Foco (sites.google.com/site/autismoemfoco).
Twitter: @Clau_Marcelino
Priscila Bongiovani R. Spiandorello é
nutricionista clínica funcional (CRN3: 8679) e atende na Clínica Carla
Albuquerque, Vl. Nova Conceição (11) 3845-2745 ou 3045-9258 e no
consultório em Moema (11) 5052-1221, ambos em São Paulo (SP).
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sexta-feira, 27 de setembro de 2013
Vivemos para comer ou comemos para viver?
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