Pesquisador brasileiro radicado nos EUA estuda método capaz de diagnosticar o problema já nos primeiros meses de vida do bebê
O autismo é um distúrbio do desenvolvimento que, entre
outras consequências, afeta profundamente a capacidade estabelecer
relações sociais. O isolamento e o universo absolutamente particular do
autista vêm intrigando pesquisadores do tema e são fontes de angústia e
sofrimento para pais e familiares de portadores do transtorno.
Por que uma criança aparentemente normal começa
a se fechar em si até se isolar completamente? A resposta para esse
questionamento ainda está longe de ser totalmente elucidada, mas é
consenso entre especialistas no tema que o diagnóstico precoce pode
interferir no desenvolvimento do distúrbio, atenuando muitas das
características que impedem o autista de interagir socialmente.
É nesse ponto que entra o trabalho do
brasileiro Ami Klin, diretor do Marcus Autism Center, o maior centro de
pesquisa e tratamento do distúrbio nos Estados Unidos. Há mais de uma
década, Klin e equipe vêm desenvolvendo uma forma de identificar
precocemente os sinais do autismo analisando como crianças sem e com o
transtorno direcionam a atenção quando expostas a vídeos com situações
rotineiras de interação social. Atualmente, o grupo já conseguiu
estabelecer padrões de identificação do distúrbio até em bebês de poucos
meses.
Desde as primeiras semanas de vida, explica
Klin, os recém-nascidos preferem escutar a voz humana –
preferencialmente de quem cuida deles – e dão mais atenção aos olhos de
seus cuidadores do que a qualquer outra coisa ao redor. Essa preferência
é algo instintivo, faz parte de um mecanismo de desenvolvimento social
no qual a criança precisa estabelecer laços com quem cuida dela, pois
disso dependerá nada menos do que a própria sobrevivência. É por meio
dessa interação que os bebês vão se tornando sociais e se fazem entender
usando o olhar, o choro, o riso, os gritos, os gestos, os primeiros
balbucios e finalmente a fala.
“Em crianças com autismo, no entanto, tudo o
que faz com que elas se relacionem com o seu cuidador é atenuado, não
transcorre como deveria”, explica Klin.
Essa interrupção no processo de construção da
interação social acaba gerando e agravando o isolamento, os problemas de
linguagem, o retardo mental e a dificuldade para intuir os sentimentos
dos outros em situações de interação. Sem essas habilidades básicas, o
autista vai se isolando cada vez mais do mundo das pessoas para
mergulhar no mundo das coisas.
“A maior parte das incapacitações associadas ao
autismo tem a ver com os problemas gerados pela dificuldade de
interação social. Aqui nos Estados Unidos o diagnóstico correto do
distúrbio ocorre, em média, aos cinco anos. Em classes menos favorecidas
isso demora mais ainda. É muito tarde”, diz o especialista.
A pesquisa desenvolvida por Klin e equipe se propõe a identificar, por meio de uma técnica chamada eye-tracking
, o rastreamento do movimento dos olhos, sinais de que a atenção da
criança está mais focada em coisas do que em pessoas – um indicativo da
presença do distúrbio.
O foco da atenção em objetos e outras áreas que não o
rosto (especialmente olhos e boca) do interlocutor, aliás, é uma das
primeiras coisas que as mães de crianças autistas percebem de estranho
com seus bebês. Quanto mais cedo essa suspeita foi investigada, maiores
serão as chances interferir na evolução do transtorno e assim atenuar as
características mais incapacitantes do autismo, como o retardo mental,
por exemplo.
Interromper o caminho em direção ao isolamento não é uma
tarefa simples e depende da ajuda de profissionais capacitados, além de
um grande envolvimento dos pais e familiares da criança.
“Parte do tratamento consiste em ensinar e treinar a mãe
para estabelecer essa reciprocidade com a criança, mesmo que ela não
esteja interagindo plenamente com essa mãe”, diz o especialista, que
também chefia a Divisão de Autismo e Transtornos de Desenvolvimento da
Escola de Medicina da Emory University, em Atlanta (EUA).
Para Klin, embora o autismo em si seja uma
vulnerabilidade na área social, ter o distúrbio não significa que a
pessoa não possa desenvolver talentos ou se relacionar com os outros.
Autistas têm sim, capacidade intelectual e conseguem aprender com muita
facilidade as coisas rotineiras, repetitivas, previsíveis e que têm
regras claras. Por isso podem se sair bem em atividades como a área da
computação.
“Eles têm uma perspectiva bem diferente das coisas.
Conheço professores universitários que têm autismo. Eles não têm a
capacidade intuitiva, mas conseguem desenvolver uma espécie de
engenharia social que os permite funcionar produtivamente.”
“Sempre digo aos pais, durante o diagnóstico: um filho
com autismo é um desafio, mas hoje há muito a ser feito, dependendo da
idade e do perfil do transtorno. Sempre digo a eles para não pensarem no
futuro e sim no presente. Digo para não limitarem as próprias
aspirações em relação a essas crianças e estimulo-os a tentarem entender
as forças e as fraquezas delas, para e focarem em tratar as fraquezas o
quanto antes. O objetivo não deve ser curar o autismo, mas criar uma
situação em que essas pessoas possam se desenvolver e ser felizes.”
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