quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Os autistas já perceberam


 http://mindasks.blogspot.com.br/2012/09/neurociencia-10-os-autistas-ja.html
Fotocomposição de Smitha Alampur e Thomas Polen/iStockphoto

Em 1890, William James, autor de Princípios da Psicologia, havia definido a atenção da seguinte maneira: “É a apropriação pela mente, de forma clara e vívida, de um entre aqueles que parecem ser diversos objetos ou linhas de pensamento simultaneamente possíveis. A focalização e a concentração da consciência estão na essência dela. A consciência implica o afastamento de algumas coisas para lidar de maneira eficaz com outras.” Apesar da acertada descrição, James nada disse sobre de que modo ela é gerada pelo cérebro nem como é modulada na experiência cotidiana.
Inicialmente os pesquisadores estudavam a atenção apenas por meio da introspecção, ou seja, um olhar reflexivo para o interior dos próprios pensamentos e sentimentos. Posteriormente, os neurocientistas podiam examinar os mecanismos cerebrais da atenção em animais, pacientes humanos submetidos a neurocirurgias por causa de doenças como a epilepsia, mas ainda não havia meios de sondar as engrenagens do circuito cerebral da atenção em seres humanos sadios. Contudo, em 1990, com o advento das modernas técnicas de captação de imagens cerebrais, foi possível investigar mais a fundo tais processos.
Os neurocientistas já descobriram que a atenção se refere a diversos processos cognitivos diferentes. Podemos atentar de forma voluntária para um programa de televisão, o que constitui um processo (atenção de cima para baixo), ou o choro do bebê pode nos desviar a atenção da TV, o que é um processo diferente (atenção de baixo para cima). Podemos olhar diretamente para aquilo a que prestamos atenção (atenção explícita), ou olhar para uma coisa e atentar em segredo para outra (atenção disfarçada). Podemos atrair o olhar de alguém para um objeto, olhando para este (atenção conjunta), ou simplesmente não prestar atenção a nada em particular. Alguns dos mecanismos cerebrais que controlam esses processos começam a ser entendidos. Por exemplo, temos um foco de atenção, o que significa que nossa capacidade de atenção é limitada. O foco restringe a quantidade de informações que pode ser absorvida de uma região do espaço visual em determinado momento.
Por outro lado, o excesso de atenção também pode ser ruim. Como seres sociais, muitas vezes os humanos e outros primatas têm de processar informações visuais sem olhar de modo direto uns aos outros, o que poderia ser interpretado como uma ameaça. A capacidade de prestar atenção disfarçadamente provém da circunstância social de que nem sempre queremos que as pessoas para quem olhamos saibam que estamos prestando atenção nelas.
Finalmente, para exemplificar o que fora exposto, tomamos um exemplo de atenção, a conjunta. Este tipo de atenção é o mecanismo pelo qual podemos compartilhar a experiência de outra pessoa, acompanhando a direção de seu olhar e dos gestos com que ela aponta. Um sintoma comum e clinicamente estabelecido de muitos pacientes autistas é o déficit de atenção conjunta, que pode ser medido ao acompanharmos seus movimentos oculares. Os pacientes autistas tendem a não olhar para o rosto dos outros, nem mesmo os de atores em filmes ou de pessoas fotografadas.
A focalização intensa nos rostos, uma tendência que se confirma nos humanos e primatas mais evoluídos, se dá à custa de outras informações potencialmente interessantes, que podem se perder num primeiro momento. Você conseguiu sem muito esforço notar algo de estranho na foto do artigo? Olhe com mais atenção e perceberá que a menina tem um dedo a mais na mão direita. Os observadores autistas podem notar detalhes desse tipo com mais rapidez, porque sua atenção não se concentra nos rostos.
Por Leonardo Faria.
Fonte: Stephen L. Macknik e Susana Martinez-Conde, em “Truques da mente”.

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