sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Vivemos para comer ou comemos para viver?




por Cláudia Marcelino e Priscila Spiandorello 
A resposta é bem lógica, mas parece que estamos a cada dia nos distanciando cada vez mais dela. A vida moderna, cada dia mais agitada e corrida, está nos empurrando de forma acelerada para um tipo de alimentação que privilegia a saciar a fome e os desejos, deixando em segundo plano a estruturação física e o bem-estar.

As mudanças no comportamento humano ditados pela mídia e por campanhas publicitárias, são percebidas de forma muito clara nos estabelecimentos de nossos hábitos alimentares mutantes. Estamos aprendendo a comer por meio de anúncios de televisão, quando deveríamos estar aprendendo através de livros. É bastante comum ver uma criança torcendo o nariz para um alimento que não esteja dentro de um pacotinho colorido.
A máxima pregada pelos pais de “quero dar tudo do bom e do melhor para o meu filho não se aplica no campo da alimentação. Dar-lhe tudo do bom e do melhor, em vez  de ser alimento natural e verdadeiro, rico em nutrientes para o corpo (físico) e a alma (psíquico), significa aqueles inúmeros alimentos industrializados, congelados, cheios de químicos, conservantes e corantes, que inundam os nossos comerciais de TV. A falta de uma disciplina para educação alimentar na escola, aliada ao marketing agressivo direcionado as crianças, a falta de tempo para os afazeres domésticos da família moderna e a cultura crescente de que o fogão é peça fundamental para grandes chefs de culinária ou um símbolo da subserviência da mulher, tem gerado uma corrida à alimentação vazia, colocando em risco a saúde da população mundial desde muito cedo.

Há pesquisas recentes, como uma feita pela Unifesp e outra publicada no Jornal de Pediatria, em que constata-se uma introdução inadequada a alimentação já a partir dos 3 meses de idade em todas as classes sociais. Refrigerantes, leite de vaca, macarrão instantâneo, massas, sucos artificiais e bolachas recheadas, são itens bastante consumidos por bebês a partir dessa idade.

Mas se apelarmos para a nossa memória, não será difícil verificarmos o quanto os hábitos alimentares têm mudado drasticamente.

Minha avó, no café da manhã, consumia leite puro de vaca deixado nas casas das freguesas diariamente, bem cedinho, por aquele produtor dono de umas vaquinhas e que também produzia queijo, suco de frutas do pé, raízes cozidas na hora ou pães feitos em casa. Minha avó morreu quando eu tinha 11 anos, mas ainda lembro das delícias que ela fazia na minha primeira infância. No meu café da manhã já foi introduzido o leite de saquinho, comprado todos os dias na mercearia da esquina, fervido e bebido com café de grãos moídos na hora na mesma mercearia e feito no coador de pano, com o pãozinho da padaria ou o biscoito cream-cracker do supermercado. O café da manhã dos meus filhos já passou a ser com aqueles cereais “super-saudáveis” que lhes dão uma saúde “de ferro”, cheio de açúcar e corantes, complementados por leite enriquecido com água oxigenada e o achocolatado de caixinha com 12 vitaminas e minerais sintéticos.

Asma, bronquite, problemas respiratórios, alergias, rinites, sinusites, constipações frequentes, sistema imunitário que não responde, vírus resistentes, distúrbios de aprendizado e comportamento como hiperatividade, déficit de atenção e autismo ... obesidade, hipertensão, diabetes, problemas cardíacos... problemas graves para a saúde pública e galopantes, que deveriam nos pôr a pensar o que estamos fazendo com as nossas vidas.

Por quê e para quê comemos?

Para nos mantermos vivos, pois o alimento nos fornece a energia que precisamos. Ok! Mas será somente essa a função do alimento?!! Os alimentos são fontes de energia, mas também de nutrientes, como vitaminas e minerais essenciais para o funcionamento adequado do nosso corpo, além de conter outras substâncias, como os fitoquímicos, presentes em frutas, verduras e legumes, que têm propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, auxiliando no fortalecimento do sistema imunológico, combatendo os radicais livres e agindo na prevenção de diversas doenças.

Saúde é um estado de completo bem-estar físico, emocional e social e não apenas a ausência de doença, e ao longo dos anos descobrimos que alguns alimentos que consumimos contribuem para a nossa saúde, enquanto outros podem acelerar o processo de doença. É preciso entender que alimentar-se é diferente de nutrir-se, alimentação tem que ser prazerosa, faz parte dos nossos hábitos culturais e familiares, mas precisamos ficar atentos ao que ingerimos, ao que estamos fornecendo para o nosso corpo, pois o verdadeiro alimento contém a matéria-prima importante para o funcionamento, para a formação e renovação celular adequadas do nosso organismo, ressaltando sempre a importância da nossa individualidade bioquímica, que significa que nem sempre o alimento que faz bem para uma pessoa fará para outra!

E quando realizamos uma alimentação monótona, com pouca variedade, com alto consumo de alimentos industrializados, e conseqüentemente baixa qualidade nutricional, o nosso corpo ficará em desequilíbrio, respondendo por meio do acúmulo de gordura, enxaquecas, cansaços inexplicáveis, insônia, depressão, hiperatividade e até mesmo o aparecimento de doenças auto-imunes e degenerativas. E no autismo? O quanto a alimentação pode influenciar na melhora ou piora dos sintomas?

Dieta sem glúten e sem caseína

Sabe-se também que uma nutrição correta pode influenciar em nossas características genéticas, já que a influencia do ambiente corresponde a cerca de 70% no aparecimento de doenças. E que a nutrição adequada e individualizada é um importante contribuinte para amenizar as características e os sintomas das desordens autísticas, ocorrendo melhora significativa na sociabilidade e comunicação, apesar desse fator ainda não ser reconhecido oficialmente pela medicina convencional.

Por essa razão, existem várias intervenções nutricionais e dietas adotadas para auxiliar o tratamento de crianças autistas. As mais conhecidas são: a dieta sem glúten e sem caseína (SGSC), a dieta de Feingold, a de Carboidratos Específicos, a BED (Body Ecology Diet) e a dieta de oxalatos - sendo que a dieta com maior adesão pelas famílias estadunidenses e inglesas é a SGSC, com relatos de melhoras de sintomas em torno de 70% dos casos e seguidas pela maioria das famílias afetadas pelo autismo e que adotam uma dieta ou uma reeducação alimentar como forma de tratamento. Essa dieta também foi a primeira que começou a ser divulgada no meio do autismo a partir de 1990, por pesquisadores ingleses e noruegueses, junto a Universidade de Sunderland (no Reino Unido), e que consiste basicamente nas retiradas de duas proteínas na alimentação: o glúten (encontrado em produtos derivados do trigo, centeio, aveia, cevada e do malte) e a caseína (encontrada nos leites animais e seus derivados).

Nestes vinte anos de uso da dieta como um meio de tratamento para estas crianças e os novos conhecimentos que foram sendo adquiridos pela síndrome, hoje grande parte dos pesquisadores e famílias admite que na dieta básica sem glúten e sem caseína, ainda seja adotada a retirada de corantes e produtos químicos e industrializados da base alimentar destes indivíduos.

Conversando com alguns terapeutas brasileiros que atendem pacientes nestes países, sabemos que é difícil encontrar uma família que não faça algum tipo de intervenção nutricional com sua criança, ao contrário do que ainda ocorre no Brasil, onde uma dieta adequada para a criança autista ainda é pouco divulgada.

Nestes países, Estados Unidos e Inglaterra, existem centenas de livros a disposição dos pais para orientá-los a respeito de uma alimentação adequada, específica e equilibrada para esta população, livre de agressores e com suporte nutricional eficiente para o bom desenvolvimento e prognóstico destas crianças.

No Brasil o primeiro livro a falar a respeito do assunto foi lançado somente este ano: Autismo Esperança pela Nutrição, de Claudia Marcelino ( editora M.Books, 296 págs., R$ 49,00).

Portanto, a importância dos cuidados com a alimentação, deve ser desde a infância até a fase adulta, mas uma boa notícia: nosso corpo diariamente se renova, então sempre se está em tempo de melhorar a qualidade da nossa alimentação. Quando mudamos o nosso estilo de vida, melhoramos a nossa vitalidade positiva, nosso humor, nossa maneira de enxergar o mundo e as pessoas a nossa volta.

Nesse primeiro contato, gostaria de fazer uma reflexão: por que precisamos comer? Precisamos refletir: que tipo de herança gostaríamos de deixar para nossos filhos e netos. A relação com sua saúde, o corpo e o ambiente que eles merecem e estamos deixando passar. Qual a postura que gostaríamos que nossos filhos tivessem perante a comida: a de manter a saúde ou a de saciar o desejo consumista?

Claudia Marcelino é mãe de autista, escritora e, depois de 16 anos como doceira e banqueteira no Rio de Janeiro (RJ), desde 2006 é criadora de receitas criativas, como diversos tipos pães sem glúten e sem leite e panquecas sem ovos, todas no seu blog, Dieta SGSC (dietasgsc.blogspot.com), além de manter o site Autismo em Foco (sites.google.com/site/autismoemfoco).
Twitter: @Clau_Marcelino

Priscila Bongiovani R. Spiandorello é nutricionista clínica funcional (CRN3: 8679) e atende na Clínica Carla Albuquerque, Vl. Nova Conceição (11) 3845-2745 ou 3045-9258 e no consultório em Moema (11) 5052-1221, ambos em São Paulo (SP).

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