Diego Rhamon enfrentou não só o problema, mas o bullying na infância; até ser diagnosticado corretamente, encontrou muitas dificuldades e está pronto para alcançar o topo do mundo; especialista explica sobre o autismo
Um jovem de 21 anos que nasceu em Olinda (PE), mas mora em Campina Grande (PB) desde 2014, é destaque no curso de Meteorologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), no qual entrou no topo das colocações. Essa poderia ser mais uma história comum, mas é parte da vida de um rapaz portador da síndrome de Asperger (que tem relação com o autismo), que se destaca pela inteligência, superação e promessa de ser um dos mais bem sucedidos meteorologistas do Brasil. Um especialista explica o que é a síndrome e como ela deve ser acompanhada.
Fisicamente, Diego Rhamon é um jovem como qualquer outro. Intelectualmente, por conta da síndrome, tem dificuldades de interação com outras pessoas, fala ao telefone apenas com a mãe, o pai, os irmãos e a avó, e se interessa somente por assuntos considerados por ele como relevantes, a exemplo da Meteorologia e da Astronomia.
Porém, segundo Luciene Reis, mãe de Diego, ele tem um Quociente de Inteligência (QI) que atinge a marca de 144 pontos, o que o coloca com uma inteligência considerada de quase genialidade, também uma das características dos portadores de Asperger.
O começo difícil
Segundo Luciene, o início de vida de Diego, principalmente na fase pré-escolar, foi difícil, cheio de dúvidas e diagnósticos incompletos.
“A luta foi grade. Sempre soube que ele é diferente, mas no início fui procurar especialistas para saber o porquê de Diego ser 'diferente'. Ele ia para a escola e chorava muito quando estava junto dos amigos. Fomos procurando especialistas, psicólogos, pediatras. O pediatra achava que ele tinha algum problema, mas em nível de terapia. A gente procurou a psicóloga e ele começou a fazer a terapia, mas houve uma época que ele passou dois anos sem falar com a psicóloga e tudo era através de gestos”, disse Luciene.
Nos primeiros anos de desenvolvimento, consultas médicas e na escola, Luciene contou que Diego sempre havia sido tratado como uma criança que sofria de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Foi na escola que os primeiros casos de bullying aconteceram.
“Ele passou por diversas escolas, que sempre foram voltadas para religião católica, isso em Olinda, onde ele sofreu bullying pela primeira vez. Foi difícil. Foi quando pegaram um colchão de ginástica de solo, o puseram embaixo e ficaram em cima dele, querendo massacrá-lo. Na época ele tinha dez anos e até hoje lembra de tudo o que aconteceu”, contou a mãe de Diego.
Aos 14 anos, Diego e a família se mudaram para João Pessoa por conta de uma transferência de trabalho. Na Capital, eles também vieram em busca de melhor tratamento médico e de um diagnóstico completo para o caso.
De início, a família de Diego esbarrou no mesmo diagnóstico oferecido pelos outros médicos em Pernambuco, onde relatavam que ele era acometido por TOC. Os diagnósticos de TOC e de outros transtornos continuaram até os 19 anos, quando a caminhada para descobrir o verdadeiro 'problema' de Diego acabou indo parar no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, na Capital. Lá, o que seria o último recurso para encontrar auxílio para Diego terminou sendo o princípio da descoberta da síndrome.
“Eu já estava cansada de chegar aos consultórios e praticamente eles [médicos] já terem um diagnóstico pronto para Diego. Cheguei para uma médica psiquiatra do Juliano Moreira e disse a ela que não aceitava o diagnóstico dado pelos outros médicos e que queria uma investigação melhor para meu filho. Então, finalmente, encontramos essa psiquiatra que se interessou pelo caso de Diego”, disse Luciene.
Conhecendo o caso, a psiquiatra recomendou que Diego fosse atendido por um ex-aluno seu que ajudou no diagnóstico final de que Diego Rhamon era portador da Síndrome de Aspeger.
Aliado ao novo médico, a mãe de Diego contou que o filho também realizou um autodiagnóstico, a partir de uma reportagem assistida por ele em um canal de televisão.
“Diego também se autodiagnosticou. Em casa, ele assistiu a uma reportagem sobre o autismo e fez um relato escrito de tudo o que ele é e sentia. Ele levou esse relato para o médico, que leu e iniciou um processo de anamnese mais completa. Foram feitos testes, inclusive o teste de QI, que deu o resultado de 144 pontos, e foi quando detectaram que Diego era portador da Síndrome de Asperger. Diego ficou muito feliz ao ser diagnosticado”, falou Luciene.
A vida em João Pessoa não foi apenas de descoberta da síndrome. Estudando no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), Diego passou pelo segundo caso de bullying em uma instituição de ensino.
“Pela frieza dos colegas de classe, por ele se destacar, ser diferente. Ele foi muito escanteado, deixado de lado pelos colegas, ele não fazia parte do grupo. Houve um dia em que Diego escreveu uma carta contando sobre sua síndrome e pedindo perdão aos colegas por ser diferente. A carta foi lida em sala de aula e foi um momento muito comovente”, contou Luciene.
Entrada na UFCG e o futuro
A ida de Diego Rhamon para Campina Grande aconteceu no início de 2014, fase em que ele já estava aprovado para o curso de Meteorologia na UFCG.
“Como ele sempre gostou de Matemática, Física, quis fazer o Vestibular. Ele estudou uma semana antes da prova e passou em primeiro lugar”, narrou à mãe de Diego.
Já na sala de aula, Diego começou a se destacar dos colegas por ter conhecimento avançado. Foi abraçado pelos professores e coordenação de curso e colegas de sala. Segundo Enio Souza, um dos professores de Diego Rhamon na UFCG, o jovem portador de Asperger tem potencial para ser um dos grandes meteorologistas brasileiros.
“Diego é um garoto com uma incrível paixão por nuvens e pelos fenômenos atmosféricos a elas associados. Tenho procurado mostrar para ele que, para se aprofundar no conhecimento daquilo que gosta, é necessário assimilar bem as disciplinas do ciclo básico. Diego é uma joia rara. O desafio para os professores é trazer para ele os fundamentos necessários, mas sem podar o seu enorme potencial. Com a orientação correta, não apenas para a vida profissional, mas também para a formação como ser humano, não tenho nenhuma dúvida de que ele tem condições de ingressar em qualquer instituição científica de ponta no mundo”, disse o professor.
De acordo com a mãe de Diego, todo o conhecimento que o filho possui, aliado ao abraço dado pelos colegas, professores e UFCG, terminou com uma indicação para que Diego ingresse no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que fica no município de São José dos Campos, em São Paulo, e é um dos maiores institutos meteorológicos da América Latina.
“Hoje, ele está com o diagnóstico preciso, passou por maus pedaços, mas ele supera tudo. Ele bate no peito e diz que é diferente por ser autista. Em casa, Diego tem uma estação da Rede Brasileira de Observação de Meteoros (Bramon), para detectar meteoros, e se comunica com astrônomos de todo o país. Diego recebeu uma indicação para ir para o INPE, assim que terminar o curso na UFCG. Eu vejo uma ascensão profissional muito grande para ele. Como mãe, me sinto orgulhosa e vou com ele para ajudá-lo. Meu sonho é que o mundo conheça Diego Rhamon, não só pelo que ele é, autista, mas pelo grande profissional e meteorologista que ele vai ser”, falou Luciene Reis.
A síndrome e o acompanhamento
De acordo com Estácio Amaro, psiquiatra com experiência em Transtorno do Espectro Autista, o autismo foi descoberto em 1943, pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner. Já a Síndrome de Asperger foi descoberta um ano depois, pelo médico Hans Asperger, também austríaco, e que dá nome a síndrome.
“Asperger é chamada de síndrome, mas na verdade o termo 'síndrome' é relacionado a causas genéticas. Asperger é um transtorno do espectro autista, e é tratada como autismo, por possuir sintomas semelhantes a ele. A cada 70 crianças nascidas vivas uma delas nasce com autismo, sendo que ele é mais frequente em meninos do que em meninas, com uma proporção de cinco casos em meninos para um caso em meninas”, disse Estácio Amaro.
Segundo o psiquiatra, a denominação espectro autista foi a melhor forma encontrada pela medicina para descrever as várias formas de se classificar os transtornos globais do desenvolvimento.
“Teríamos o autismo clássico, que é aquele que cursa com dificuldade de interação social, tendo isolamento e dificuldade de estabelecer contato visual; comprometimento da linguagem, com atraso significativo ou mesmo ausência da linguagem verbal; e padrões repetitivos de comportamento, interesse e atividades, como o balanceio das mãos ou do corpo ou girar, preocupação com partes de objetos, como preferir ficar girando a roda do carro que empurrá-lo. Já a Síndrome de Asperger difere do autismo por apresentar desenvolvimento da fala no tempo esperado para a idade e inteligência normal ou mesmo acima da média, visto que, no autismo, pode-se ter, em muitos casos, retardo mental associado”, afirmou Estácio Amaro.
De acordo com Estácio Amaro, a demora no diagnóstico pode trazer riscos e prejuízos para a vida dos portadores de Asperger, como incomodo na escola, hiperatividade, ansiedade e grave depressão.
“Os pacientes de Asperger têm a característica de entender assuntos escolares antes de outras crianças e para eles isso é incomodo porque acabam não tendo interesse nos assuntos. Se não houver um acompanhamento inicial pode causar sintomas depressivos, eles ficam agitados, hiperativos, ansiosos. O bullying também é bastante perigoso e pode fazer com que os portadores de Asperger entrem em depressão muito grave, desenvolvendo ansiedade e, raramente, tentando até o suicídio”, contou Estácio Amaro.
O tratamento para os portadores de Asperger são os mesmos indicados para pessoas com autismo, como o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar e a realização de atividades como a psicopedagogia, psicoterapia, fonoaudiologia, equoterapia (realizada com cavalos) e a natação.
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