| 
 
Por Carolina Rafols, dos Estados Unidos 
  
 
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
Revisão da tradução para o português:  Wilson Langeani Filho 
 
Temple Grandin é uma fonte de 
inspiração para inúmeras famílias e profissionais ao redor do mundo. 
Atualmente ela é a mais bem sucedida e célebre profissional 
norte-americana com autismo, altamente respeitada no segmento de manejo 
pecuário. A dra. Grandin se tornou uma proeminente autora e palestrante 
sobre o tema autismo porque ela é uma prova viva de que as 
características de autismo podem ser modificadas e controladas (in 
Emergence: Labeled Autistic). 
Bacharel pelo Franklin Pierce College e 
com mestrado em Ciência Animal na Universidade Estadual do Arizona, é 
Ph.D. em Ciência Animal, desde 1989, pela Universidade de Illinois. Hoje
 ministra cursos na Universidade Estadual do Colorado sobre 
comportamento de rebanhos e projetos de instalação, além de  prestar 
consultoria para a industria pecuária em manejo, instalações e cuidado 
de animais. Já apareceu em diversos programas de televisão [dos Estados 
Unidos], como 20/20, 48 Hours, CNN Larry King Live, PrimeTime Live, 
Today Show, e muitos outros em diversos países, também já foi destaque 
em publicações como a revista People, New York Times, Forbes, U.S. News 
and World Report, revista Time, o New York Times Book Review e a revista
 Discover. Em 2010 foi nomeada pela revista Time como uma das 100 
pessoas mais influentes. A Rádio Nacional dos Estados Unidos transmitiu 
entrevistas com a dra. Grandin. Ela já escreveu mais de 400 artigos 
publicados em revistas científicas e periódicos especializados, tantando
 de manejo de rebanho, instalações e cuidados dos animais. É autora dos  livros:  Thinking in Pictures,
 Livestock Handling and Transport, Genetics and the Behavior of Domestic
 Animals e Humane Livestock Handling. Seus livros Animals in Translation
 (lançado no Brasil com o título " Na Língua dos Bichos") e Animals Make Us Human (no Brasil: " O Bem-Estar dos Animais")
 estão na lista dos best sellers do New York Times, sendo que este 
último também consta na lista dos best sellers do Canadá. Entre os 
livros da dra. Grandin que tratam do tema autismo, o mais vendido 
atualmente é  The Way I See It: A personal Look at Autism and 
Asperger's, também são de sua autoria Unwritten Rules of Social 
Relantionships e Emergence: Labeled Autistic — [também escreveu uma 
auto-biografia, lançada no Brasil em 2009 com o título: " Uma Menina Estranha"] ( veja seus livros no site em inglês).  
Em abril, Temple Grandin lançou um novo 
livro "Different...not Less." Inspirador e informativo, o livro fala 
sobre formas de melhorar a vida das pessoas com autismo, síndrome de 
Asperger, e TDAH (Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade). 
Ele segue a vida de adultos, muitos diagnosticados tardiamente, e 
explica como eles se conheceram, seus desafios e tornaram-se pessoas de 
sucesso! 
Segue a entrevista exclusiva para a 
Revista Autismo, em que Temple Grandin responde a perguntas sobre a 
importância da intervenção precoce, bons mentores, agressão, e muito 
mais. 
  
 REVISTA AUTISMO:
 Em muitas entrevistas você menciona a importância de "bons mentores" e 
"desenvolver os pontos fortes das crianças". Você pode esclarecer essas 
duas idéias?  
Temple Grandin: Na 
escola era motivo constante de chacota e vivia  triste. O único refúgio 
longe das provocações eram atividades práticas como passeios a cavalo e o
 laboratório de eletrônica. As crianças que gostavam dessas atividades 
não me importunavam. Essas atividades eram os refúgios das provocações. 
Mamãe foi capaz de me ensinar a cumprir horários e ter boas maneiras, 
mas ela não foi capaz de me obrigar a estudar. Não me senti motivada a 
estudar até ter uma razão para isso. Quando estava na escola eu não via 
sentido em estudar. Existiam certos tópicos em que ganhava nota máxima, 
como em biologia; e outros assuntos como inglês e história nos quais eu 
não tinha interesse. 
Meu professor de ciências, sr. Carlock, 
foi peça-chave em me motivar a estudar. Depois de retornar da fazenda 
dos meus tios, fiquei fascinada pelo tronco de gado. O tronco é um 
mecanismo para conter e imobilizar os animais para vacinação. Consiste 
num compartimento de metal com painéis que comprimem o animal de ambos 
os lados do corpo. Ao observar o gado passando pelo tronco, notei que, 
algumas vezes, os animais relaxavam quando a pressão dos painéis 
laterais era aplicada sobre seus corpos. 
Sofrendo constantes ataques de pânico, 
resolvi experimentar o aparelho de pressão. Descobri que a compressão 
aplicada pelo tronco aliviava minha ansiedade e o meu nervosismo. 
Infelizmente, muitos dos meus terapeutas e médicos consideraram estranho
 usar um tronco de gado. Depois que construí um aparelho de pressão 
semelhante ao tronco para me acalmar todos quiseram tirá-lo de mim. 
Imediatamente me fixei nisso  e fiquei motivada a provar que o efeito 
relaxante era real. 
O  sr. Carlock viu nisso uma 
oportunidade para me motivar ao estudo. Ele me falou  que era para 
descobrir por que a pressão tinha um efeito relaxante, então eu tinha 
que estudar ciências. No meu último ano de escola eu rapidamente 
melhorei minhas notas baixas em inglês e história pois vi que devia 
passar nessas matérias se quisesse ir para a faculdade e tornar-me uma 
cientista. O sr. Carlock direcionou a tremenda aptidão autista da 
fixação e usou isto para motivar um estudo acadêmico. 
Nunca esquecerei a ida à biblioteca 
acadêmica com o sr. Carlock. Nessa ocasião eu aprendi que os verdadeiros
 cientistas lêem artigos periódicos publicados em revistas científicas. 
Eu não sabia o que era uma revista científica. No começo dos anos 60, 
acompanhar revistas científicas era difícil. As revistas de psicologia 
eram indexadas em grandes livros contendo o resumo dos artigos. Como as 
copiadoras não estavam disponíveis, cada resumo que você quisesse 
arquivar tinha que ser copiado à mão num cartão index, e eu tinha todos 
os cartões guardados numa caixa de arquivo. Para o final dos anos 60, 
quando as copiadoras se tornaram prontamente disponíveis, fiquei em 
êxtase quando pude copiar artigos inteiros, que eu ordenava 
cuidadosamente em pastas de arquivo de folha soltas. A carreira 
científica acadêmica é difícl, mas a minha tendência autista em fixação 
[num assunto] me mantinha firme. Meu exemplo mostra claramente como um 
professor criativo pode realmente transformar a vida de um aluno. 
Adquirir habilidades úteis que possam 
reverter numa carreira requer o direcionamento de um professor. Hoje 
tenho observado que os indivíduos que seguem carreiras de sucesso, como 
programação de computador, tiveram um mentor para ensiná-los. Requer 
disciplina adquirir uma habilidade. Em áreas técnicas, eu observei que 
são raras as crianças que vão aprender por conta própria a fazer 
programações complexas de computador. Quando entregues aos seus próprios
 equipamentos, elas tendem a se viciar em vídeo games e subutilizam os 
computadores. Elas precisam de atribuições e orientação de um bom 
professor para aprender habilidades profissionais relevantes. Em algumas
 famílias, o pais fazem dos filhos aprendizes em suas próprias 
profissões. Isso tem funcionado para muitas crianças no espectro [do 
autismo]. 
  
REVISTA AUTISMO: Você 
pode falar sobre a importância do diagnóstico precoce no sistema público
 de saúde? E intervenção precoce no sistema público de saúde? 
Temple Grandin: 
Crianças pequenas de dois a cinco anos de idade sem fala ou 
comportamentos repetitivos devem ter 20 ou mais horas por semana de 
instrução individual com um professor que lhes ensine palavras, ensine "turn-taking"
 [numa tradução livre, significa "esperar a vez", auto-controle, ter 
atenção no outro para saber quando iniciar sua ação], e como engajar-se e
 manter-se em atividades. O ensino educacional precoce vai ajudar a 
criança a desenvolver-se a estágios superiores. 
  
REVISTA AUTISMO: Qual é
 o seu conselho aos pais de jovens adultos na porção inferior do 
espectro que não obtiveram intervenção precoce por bons mentores? 
Temple Grandin: Muitos 
indíviduos de baixa funcionalidade apresentam severa desorganização 
sensorial. Eles podem não ser capazes de tolerar um restaurante ou loja 
barulhentos. Alguns indivíduos são sensíveis ao som e outros conseguem 
ver a intermitência de luzes florescentes. Hiper estimulação causa dor e
 isto pode levar a crises. 
  
REVISTA AUTISMO: Qual é
 o seu conselho para os pais ajudarem  seus filhos adolescentes situados
 no meio do espectro durante a transição para a idade adulta? 
Temple Grandin: Todos 
os indivíduos com autismo, na parte superior, inferior e no meio do 
espectro precisam adquirir habilidades profissionais. Os adolescentes 
enquanto ainda estão na escola devem realizar atividades como, por 
exemplo, vender jornal, cuidar do lixo, ou jardinagem. Indivíduos na 
porção superior do espectro devem começar a trabalhar em algo que se 
encaixe na sua área de aptidões, como arte, fotografia, design gráfico, 
programação de computadores, jornalismo, mecânica de automóveis, ou 
vendas no varejo. 
  
REVISTA AUTISMO: O que devem ter em mente os professores e profissionais quando tratam crianças de dois a oito anos de idade? 
  
Temple Grandin: 
Crianças com idade entre dois e oito anos precisam de muita instrução 
individual. Desenvolver os pontos forte da criança. Se ela gosta de 
arte, encoraje o desenho e pintura. Se ela gosta de matemática ou 
escrever, você deve encorajar isso. Se a criança gosta de aviões ou 
trens, use isso para ensinar leitura e matemática. A área de aptidão da 
criança normalmente surge na idade de sete a nove anos. 
  
REVISTA AUTISMO: Como o sistema de ensino pode apoiar melhor os alunos de ensino médio que estão na porção superior do espectro? 
Temple Grandin: 
Estudantes do ensino médio na extremidade superior do espectro precisam 
adquirir habilidades profissionais antes de sair da escola. Algumas das 
pessoas mais inteligentes do mundo tem autismo. Alguns exemplos são 
Steve Jobs, da Apple, Einstein e Mozart. Crianças que são boas em 
matemática podem aprender programação de computador, física ou 
estatística. Os alunos precisam aprender a desempenhar tarefas que os 
outros precisam. Desenvolver habillidades inatas na arte, matemática, 
literatura ou música. 
  
REVISTA AUTISMO: Qual é sua reflexão sobre a importância de uma conscientização em relação ao autismo ao redor do mundo? 
Temple Grandin: É importante que as pessoas estejam conscientes sobre o autismo. 
  
REVISTA AUTISMO: Como pais e profissionais podem lidar da melhor maneira com comportamento agressivo em adultos com autismo? 
Temple Grandin: É 
crucial considerar fatores biológicos contra fatores comportamentais. 
Fatores biológicos podem incluir questões sensoriais ou dolorosos 
problemas de saúde não revelados, como refluxos ácidos e dores de dente.
 Ao considerar fatores comportamentais, pais e profissionais devem 
procurar o que está causando tal comportamento: se é para chamar 
atenção, rejeição de tarefas/fuga, ou comportamentos auto-estimulantes. 
Quando me tornava agressiva, a TV me era
 tirada por um dia. Também aprendi a controlar a agressão trocando a 
raiva pelo choro. Provocações, bullying e xingamentos me fizeram infeliz
 quando eu estava na escola. 
  
 REVISTA AUTISMO:
 Você é uma inspiração para inúmeras famílias brasileiras. Que mensagem 
você daria para as famílias que ainda estão sofrendo com a falta de 
tratamento e intervenção precoce, devido à ausência de políticas que 
protegem as pessoas com autismo em nosso país?  
Temple Grandin: Esta é 
uma questão difícil de responder. Para contribuir com a inclusão, 
precisamos mostrar o que pessoas com autismo são realmente boas em 
fazer. Uma habilidade é a memória incrível. Muitos indivíduos do 
espectro autista seriam bons em lojas do varejo ou em armazéns, porque 
eles podem se lembrar e ter informações de todos os produtos. Em uma 
cidade, um homem autista memorizou a posição de toda a tubulação sob as 
ruas. Ele poderia mostrar as equipes de construção o local correto para 
escavar para evitar quebrar os canos. 
  
REVISTA AUTISMO: Para encerrar, como as pessoas com autismo estão contribuindo para um mundo melhor? 
Temple Grandin: As
 pessoas com autismo contribuem para um mundo melhor porque pessoas na 
porção superior do espectro do autismo inventaram muito em tecnologia e 
nas artes. Eu estimo que metade das pessoas na indústria de computadores
 tem autismo moderado. Eles são menos sociáveis, mas ganham na 
habilidade do pensamento. O autismo é um traço contínuo que varia entre 
Einstein e baixa funcionalidade, a genética é um fator preponderante na 
causa do autismo. 
 Carolina Rafols
 é mãe da Kayumi, além de ser terapeuta comportamental, mestre em 
Educaçao com especializaçåo em Análise Aplicada do Comportamento pela 
National University e graduada em Psicologia pela Cal State Northridge 
University (ambas nos EUA). Desde de 2004, trabalha com crianças e 
adolescents com autismo na Califórnia, EUA. Tem interesse em Pivotal 
Response Training (PRT) e treinamento de pais e måes durante terapia 
individual in-home. Voluntária na luta pelos direitos das pessoas com 
autismo no Brasil e nos Estados Unidos. 
  
 | 
Nenhum comentário:
Postar um comentário