Abordagem Neuropediátrica Dr. Antônio Carlos de Farias
Introdução
O Neuropediatra por ser
um especialista na área de desenvolvimento neuropsicomotor tornou-se um
profissional freqüentemente requisitado a reconhecer crianças com
alterações em áreas do desenvolvimento como comportamento e
aprendizagem. Geralmente, estes encaminhamentos associam-se a dúvidas
dos pais ou professores sobre a origem do problema; se há relação com o
desenvolvimento e por esta característica tem caráter transitório, se
decorre de fatores emocionais ou motivacionais ou se associam a um
quadro orgânico que compromete funções cerebrais importantes para as
relações acadêmicas e sociais da criança.
A resposta a estas dúvidas nem sempre é
uma tarefa fácil. O médico deve lembrar que a aprendizagem e o
comportamento são processos dinâmicos e ativos sujeito à interferência
de vários fatores relacionados ao estímulo ambiental (possibilidades
reais que o meio oferece em termos de quantidade, qualidade e freqüência
de estímulos) e a neurobiologia da própria criança (inteligência
global, integridade motora e sensório-perceptual, domínio da linguagem e
capacidade de simbolização); nem sempre a causa primária de um
“déficit” ou “dificuldade” está na criança; o ambiente familiar
estimulador, as expectativas sociais, a motivação do professor para
ensinar e a metodologia de ensino da escola podem representar pólos
importantes para a origem do problema.
Também deve ter uma boa compreensão
sobre os marcos normais de desenvolvimento e saber que funções cerebrais
como coordenação, percepção, atenção e memória sofrem profundas
transformações evolutivas à medida que a criança cresce, assim, toda
interpretação de um Déficit de aprendizagem ou problema comportamental
deve ser baseada na prontidão neurológica que a criança possui nas
distintas faixas etárias.
Transtornos de Aprendizagem Escolar – Definições
O termo Transtorno de
Aprendizagem Escolar (TAE) é amplo porque engloba todas os fatores
ambientais, emocionais, orgânicos e neurobiológicos que interferem com a
aprendizagem; é apenas um sintoma decorrente de várias situações
médicas e não médicas.
Sobre um enfoque
neurobiológico o termo Transtorno Especifico de Aprendizagem Escolar
(TEA) é o mais adequado para definir crianças normais do ponto de vista
emocional, cognitivo e orgânico, com educação apropriada, mas que
apresentam funcionamento acadêmico abaixo do esperado para idade
cronológica e inteligência.
É recomendável aos
profissionais o uso de uma linguagem sistematizada, nesse sentido o
DSM-IV – Manual Diagnóstico E Estatístico De Transtornos Mentais da
Associação Americana de Psiquiatria é o livro consagrado para emissão de
diagnósticos que envolvam sintomas cognitivo-comportamentais. Em seu
primeiro capítulo o manual aborda os Transtornos geralmente
diagnosticados pela primeira vez na infância ou adolescência, todos eles
podem gerar ou associar-se ao Transtorno de Aprendizagem Escolar, porém
há um item específico que engloba os Transtornos Específicos de
Aprendizagem Escolar (TEA).
O DSM-IV define TEA
como um funcionamento acadêmico substancialmente abaixo do esperado
(dois desvios padrões entre rendimento e QI) para idade cronológica e
inteligência no contexto de uma educação apropriada sendo o diagnóstico
baseado em testes padronizados e individualmente administrado de
leitura, matemática e escrita. O termo TEA aplica-se somente aos
indivíduos que apresentam inteligência normal e que não tenham um outro
fator causador de suas dificuldades de aprendizagem como, por exemplo:
escolarização precoce, faltas escolares, ensino deficiente,
desmotivação, falta de familiaridade com a língua de instrução, déficit
visual e auditivo, deficiência mental, incapacidade física, doenças
neuropsiquiátricas, uso crônico de medicamentos.
Transtornos de Aprendizagem Escolar – Causas relacionadas ao estímulo ambiental
A. Falta de Estímulo:
A criança deve aprender determinados
conceitos na fase pré-escolar que posteriormente lhe facilitarão o
aprendizado da leitura e escrita. São funções como orientação espacial,
orientação temporal, ritmo; habilidades visuais (discriminação de
diferenças e semelhanças, percepção de forma e tamanho, figura e fundo,
memória, seguimento ocular), habilidades auditivas (discriminação de
sons, figura e fundo, percepção, memória), coordenação viso-motora,
linguagem oral (pronuncia, vocabulário e sintaxe) e linguagem simbólica
(capacidade de simbolização). Todas essas habilidades não são adquiridas
de forma passiva, necessitam de treinamento específico.
B. Metodologia de ensino: A habilidade da leitura aprende-se em 3 estágios distintos:
• Estágio Visual (4 – 6 anos): análise visual do estimulo gráfico. A criança aprende a reconhecer a letra e copiá-la.
• Estágio fonológico (5 – 7 anos): reconhecimento e processamento dos sons associados aos símbolos gráficos.
A criança aprende a reconhecer os
diferentes sons das letras e discerni-los quando integrados na palavra,
lê de forma lenta e silabada com pouco conteúdo interpretativo.
• Estágio ortográfico
(6 – 9 anos): Memorização e reconhecimento da palavra inteira. A criança
aprende a ler de forma fluída e com bom nível de compreensão.
O método de ensinar
pode ser diferente para cada escola, algumas priorizam o método global
com ênfase no estágio ortográfico, outras priorizam o método fonético
com ênfase no estágio fonológico, porém, para algumas crianças a escolha
do método deve ser individualizado em função das dificuldades que a
mesma possui. È freqüente a observação na prática clínica de crianças
que apresentavam dificuldades em uma determinada escola que ao se
transferirem para outra escola com método diferente da anterior,
passaram a não ter mais dificuldades.
C. Aspectos psicológicos, familiares e culturais:
Muitas vezes é difícil diferenciar se
estes fatores são causas ou conseqüências de TAE. As crianças com TAE
geralmente são pressionadas pela família, professores e não conseguem
corresponder as estas expectativas, tem sua auto-estima rebaixada e
passam a apresentar sintomas depressivos, fatos que acentuam sua
desmotivação para os estudos.
A desorganização
familiar no sentido de não orientar uma adequada rotina para a criança
além de gerar estresse infantil também é um fator causal de TAE. São
exemplos: os excessos de atividades extra-escolares, a falta de horários
para estudos, a falta de supervisão dos pais.
O aspecto cultural é
representado pela tradição familiar em relação às necessidades e
perspectivas relacionadas aos estudos. Em algumas famílias o padrão de
exigência é tão elevado em relação ao aproveitamento escolar a ponto de
exigirem que as crianças sejam alfabetizadas em idades nas quais elas
ainda não possuem prontidão neurológica para essa função, outras não
vêem nos estudos algo fundamental para a vida da criança. Ambas as
abordagens são inadequadas e geradoras de problemas escolares e
comportamentais.
Transtorno de Aprendizagem Escolar – Causas médicas gerais
• Uso de medicamentos
ou drogas cujos efeitos colaterais possam interferir em funções como
atenção, memória e ritmo de sono, exs: Antiepilépticos,
Antihistamínicos, Álcool, Maconha, Cocaína, Cola de sapateiro.
• Déficits sensoriais: Hipoacusia, Déficits refracionais.
• Doenças crônicas como
Anemia, Verminose, Cardiopatias, Nefropatias, Epilepsias, Enxaquecas,
Moléstia reumática sob a forma de Coréia de Sidehan, etc; causam TAE
tanto pelo aspecto incapacitante como pelo alto índice de faltas e
evasão escolar.
• Encefalopatias crônicas: Deficiência Mental, Paralisia cerebral.
Transtorno de Aprendizagem Escolar – Causa transitória relacionada à imaturidade funcional
Algumas crianças
apresentam disfunções de caráter transitório em áreas globais ou
específicas do aprendizado, adquirem de forma mais lenta as habilidades
psíquicas, perceptivas, comunicativas e motoras, ao chegarem na fase
escolar demoram um pouco mais para adquirir a leitura; evolutivamente
alcançam a prontidão necessária para o desempenho dessa função. O quadro
caracteriza-se por atraso de aquisição de marcos específicos do
desenvolvimento, porém o ritmo de aquisição, embora lento, é muito
próximo do normal.
Ao chegarem na fase pré-puberal ou
puberal passam a desenvolver-se em um ritmo normal. Geralmente o quadro é
relacionado com uma lentidão da mielinização e sinaptogênese cerebral e
parece haver influências hormonais pelo fato de serem mais freqüentes
no sexo masculino. Muitas vezes pode ser confundido com Dislexia, porém
na criança disléxica as dificuldades de aquisição da leitura são
persistentes mesmo após a fase pré-puberal (Nove anos).
Transtorno de Aprendizagem Escolar – Causas Neurobiológicas
Nos TEA, é improvável
que um único fator possa ser responsável, ao contrário parece que uma
série de fatores precisa agir em conjunto – causas multifatoriais.
Fatores genéticos estão implicados pelas altas incidências em parentes
próximos dos indivíduos afetados e também pela participação do
cromossomo X, uma vez que, o quadro predomina no sexo masculino na
proporção de 3:1. Fatores ambientais relacionados ao período gestacional
e neonatal têm alguma influência, pela alta freqüência nos históricos
das crianças de tabagismo e alcoolismo materno e de intercorrências de
parto como prematuridade, baixo peso, tocotraumatismo e hipóxia
cerebral.
Todos esses fatores isolados ou
associados podem comprometer os circuitos cerebrais gerando micro lesões
como alteração do neurônio ou sinapse que evolutivamente causarão
déficits funcionais em áreas relacionadas à linguagem, atenção e
memória. A seguir serão abordadas as principais causas de Transtorno de
Aprendizagem Escolar relacionadas a doenças neurobiológicas.
1. Distúrbios da Linguagem
Disfasia:
Caracteriza-se por dificuldades na aquisição da linguagem verbal. Pode
ser de compreensão (lesão da área temporal Wernicke) ou expressão (lesão
da área frontal de Broca). As crianças comprometidas geralmente
apresentam dificuldades de elaborar palavras ou formar frases. Em um
quadro mais grave que evolutivamente pode associar-se a TAE, problemas
comportamentais e de sociabilização.
Dislexia:
Caracteriza-se por dificuldades persistentes de aquisição da linguagem
simbólica (leitura). O quadro pode variar desde uma incapacidade total
de aprender a ler até uma leitura próximo do normal, silabada, com
alguns erros de pronúncia e erros ortográficos na escrita. É um
distúrbio relativamente freqüente com incidência entre 7 a 10% na
população escolar.
A palavra Dislexia possui a seguinte origem semântica:
DIS: Distúrbio LEXIA: Linguagem (Grego) Leitura (Latim).
DISLEXIA – Distúrbio da Linguagem e da Leitura.
Já em seu sentido
semântico , percebe-se que a Dislexia está intrinsecamente relacionad a a
um problema de linguagem, particularmente linguagem no sentido de c
omunicação. O d isléxico apresenta dificuldades no nível mais primitivo
da linguagem , o fonológico, o que lhe dificulta progredir para a forma
mais complexa , a da compreensão simbólica – leitura. Ele a presenta
dificuldades de leitura porque interpreta mal as características sonoras
dos símbolos gráficos (fonemas), reconhece com dificuldade esses sons
quando estão integrados na palavra falada, tem dificuldade de compô-los
em uma seqüência lógica para formar e reconhecer palavras novas.
O diagnóstico é baseado
em uma história clínica com as seguintes características : Crianças
normais do ponto de vista cognitivo e emocional, com pelo menos dois
anos de escolaridade, submetidos a um adequado estímulo ambiental e
escolar, mas que persistem com dificuldades de aquisição da leitura,
principalmente após os nove anos de idade. Geralmente apresentam
antecedentes de a traso de aquisição ou Transtornos da Linguagem e
história familiar de distúrbios da linguagem ou Dislexia.
Bases Genéticas:
Estudos clínicos e epidemiológicos sugerem uma base genética para a
origem da Dislexi a . Nos diversos estudos com indivíduos disléxicos ,
identificou-se história familiar em parentes de primeiro grau em 25 a
65% dos casos. Os estudos na área de Genética m olecular tem
identificado anormalidades cromossômicas evidentes nos cromossomos 6 e
15. O projeto Genoma h umano já identificou os Genes DYX1, DYX2, DYX3,
DYX4, relacionados a subtipos específicos de d islexias.
Bases Patológicas:
As alterações gênicas previamente
descritas condicionam a formação de um cérebro com alterações
estruturais nos circuitos relacionados à linguagem. Essas alterações
podem ter um caráter variado . Por exemplo, enquanto o c órtex cerebral
das áreas interpretativas tem seis camadas de células , sendo a primeira
camada desprovida de células nas pessoas normais, nos Disléxicos
existem as mesmas seis camadas, porém a primeira camada é provida de
células, ou seja, n os Disléxicos , essas células estão em um local que
não deveriam estar ( e ctopias). Elas chegam a esse local porque erram o
caminho durante o período de formação cerebral , durante o estágio de
migração neuronal entre o primeiro e segundo mês de gesta ção .
Além de incorretamente localizadas ,
essas células geralmente estabelecem conexões inadequadas com outras
células ( m icrodisgenesias). Essas alterações também ocorrem na camada
de neurônios magnocelulares do t álamo. A organização defeituosa desses
circuitos gera um déficit de função cerebral na área do tálamo
relacionado ao processamento de informações rápidas (p. ex. , visão
durante a leitura, percepção de sons durante a conversação) e também
dificuldades interpretativas por comprometimento do córtex cerebral –
áreas interpretativas ( g iro angular, área de Wernicke).
Dislexia e
Processamento Fonológico: As pessoas normais podem discernir as mais
rápidas combinações de sons encontradas em uma palavra como, por
exemplo, o som do “P” e do “A” na palavra “PA” , que estão separadas por
um tempo aproximado de 10 milésimos de segundos. Os disléxicos com
desordem do processamento fonológico (90% dos casos) necessitam de um
tempo maior, aproximadamente 80 milésimos de segundo . Isto lhes acarret
a um grave problema de leitura , uma vez que esta é aprendida pela
combinação dos símbolos (letras) com os seus respectivos sons (fonema s
).
As dificuldades em superar o estágio
fonológico da leitura também dificultam o progresso ao estágio
ortográfico. É importante ressaltar que , mesmo diante de todas estas
dificuldades, os disléxicos geralmente mantêm a capacidade de processar a
leitura , embora esta seja de aquisição lenta . Quando ela ocorre, o
erro ortográfico continua com uma certa freqüência.
Dislexia e
Processamento Visual: Apesar do processamento visual não ser um fator
preponderante na causa da Dislexia , algumas anormalidades dessa função
podem interferir com a habilidade da leitura. Um número menos freqüentes
de disléxicos (aproximadamente 10%) apresent a problemas de leitura
porque têm dificuldade de manter a imagem da palavra em seu campo
visual. Ao praticar o ato da leitura, “varrendo” a página da esquerda
para direita , as letras parecem tremular, as palavras parecem mexer, às
vezes , desaparecem do campo visual, tornando difícil o seu
processamento.
Os estudos histopatológicos do D r .
Al Galburda , da Escola de Medicina de Harvard , demonstraram que esses
indivíduos também apresentam um menor número de neurônios nas camadas
magnocelulares do t álamo esquerdo. Alguns estudos têm demonstrado que
esses pacientes podem beneficiar-se do uso de lentes oculares especiais
(Lentes de Irlen).
Dislexia e Aspectos
Sociais: Embora tenham inteligência, capacidade visual e auditiva
normais, os disléxicos podem apresentar problemas de interação social
por suas dificuldades de processamento rápido relacionadas à visão e à
audição. Sua percepção pode ser distorcida como, por exemplo, entender
mal uma conversação, assimilar mal pistas não verbais (linguagem
corporal, expressão facial, tom de voz), ocasionando situações
constrangedoras, mal-entendidos, rejeição e isolamento.
Dislexia e Plasticidade Cerebral:
Estudos com Ressonância M agnética F
uncional E ncefálica , conduzida por Shoywitz, da Universidade de Yale,
têm demonstrado que os d isléxicos tendem a usar outras regiões do
cérebro , como a área motora de Broca , para compensar os déficits nas
regiões relacionadas à compreensão (área de Wernicke). Quando os d
isléxicos lêem , ocorre um aumento da atividade na área frontal esquerda
(Broca) e uma diminuição da atividade na porção anterior (área de
Wernicke), o contrário do que ocorrem nos controles normais.
Dislexia – Tratamento:
Não há um tratamento medicamentoso
específico. Medicamentos podem ser indicados apenas para fatores
associados , como Transtorno de Atenção e problemas comportamentais. Não
há , tampouco , uma terapia cognitiva única. O tratamento deve
basear-se em medidas que favoreçam a plasticidade cerebral, caminhos
cerebrais alternativos para o processamento da leitura. Algumas crianças
aprendem a ler mais facilmente amparada pela fonética, outras aprendem
melhor através de técnicas lingüísticas , em que as formas visuais
complexas das palavras são aprendidas em contexto.
Crianças com dificuldades no estágio
ortográfico beneficiam-se melhor das técnicas lingüísticas porque são
instruídas a reconhecer a palavra inteira. Crianças com d ificuldades no
estágio fonológico devem ser treinadas por técnicas fonéticas. Existem
programas de computador com exercícios baseados no treinamento do
cérebro para reconhecer mudanças rápidas de fonemas na fala normal . Um
exemplo é o FAST FORWAR D , programa já usado em escala comercial no s
EUA. Também existem jogos infantis programados para diminuir o ritmo da
fala e prolongar a duração dos sons , tornando mais fácil a compreensão
dos fonemas. A terapia fonoaudiológica em cabine também é um importante
recurso para reabilitação de d isléxico com alteração do Processamento
Auditivo.
2. Distúrbio da Atenção
Entidade antigamente
conhecida por Disfunção Cerebral Mínima o Transtorno do Déficit de
Atenção/Hiperatividade (TDA/H) é uma patologia com grande prevalência na
idade escolar. Caracteriza-se por graus inapropriados de atenção,
impulsividade, hiperatividade, coordenação motora e linguagem; todas
essas séries de transtornos podem apresentar-se isoladamente ou em
diferentes combinações.
Em geral o comportamento inadequado
dessas crianças associadas às dificuldades de abordagem por parte dos
familiares e professores geram problemas graves de ordem acadêmica e
psicossocial. É classificado em 3 sub-tipos:
A. predominante Desatento com prejuízos maiores sobre as funções acadêmicas,
B. predominante Hiperativo-Impulsivo com prejuízos maiores sobre as funções comportamentais,
C. Combinado: associação de desatenção, hiperatividade e impulsividade.
O TDA/H é o protótipo
de doença neurobiológica na qual seus sintomas em determinados períodos
do desenvolvimento infantil podem confundir-se com características
comportamentais observadas em crianças normais ou mesmo associar-se a
outras doenças sistêmicas. Como não existe um teste fidedigno ou
marcador laboratorial específico para o seu diagnóstico e também pelo
fato de a doença causar um comprometimento generalizado do processamento
de informações pelo Sistema Nervoso Central, é necessário que as
crianças sejam submetidas a uma investigação minuciosa de funções
cerebrais como comportamento, atenção, percepção, linguagem, coordenação
e memória.
Estas avaliações devem integrar a
opinião de profissionais das diversas áreas multidisciplinares. Ao longo
do processo, são analisados as informações colhidas dos familiares e
professores, aplicados os critérios operacionais do DSM-IV e finalmente
realizados testes específicos para identificação das funções cerebrais
comprometidas. Estes procedimentos resolvem as dificuldades de
interpretar os sintomas na maioria dos casos; auxiliam o médico a não
emitir um parecer baseado em informações de uma única fonte ou não
definir um perfil de comportamento mediante observações de uma única
consulta.
Uma situação muito comum em
consultório, que muitas vezes pode gerar diagnósticos equivocados, é o
relato dos sintomas clássicos do TDAH pelos pais e professores, porém,
durante a consulta médica os mesmos não são visualizados. Isto ocorre
porque as crianças são capazes de controlar os sintomas com esforço
voluntário em atividades que envolvem grande esforço ou interesse.
O diagnóstico pode
oferecer dificuldades quando se refere a Lactentes e Pré-escolares; os
critérios operacionais do DSM-IV não são confiáveis para crianças
menores de 4a6m e até certo ponto níveis inadequados de atenção,
hipercinesia e impulsividade podem ser comportamentos normais nestas
idades. Somente o acompanhamento do desenvolvimento da criança com
monitorização de atividades que envolvem sua atenção e comportamento
oferecerão ao médico a possibilidade de um diagnóstico inequívoco. Este
fato associado à falta de informações seguras sobre os riscos para a
saúde do uso de medicamentos psicoestimulantes desaconselham a terapia
medicamentosa para crianças com suspeita de TDAH em idades precoces.
Nestes casos a melhor conduta é
orientar os familiares sobre posturas educacionais preventivas e
dependendo da situação optar pela realização de terapia comportamental
cognitiva. As intervenções educativas direcionadas a pré-escolares são
mais efetivas porque as condutas disruptivas estão menos estabelecidas e
o controle do comportamento é mais bem assimilado nestas idades.
Existe um amplo
diagnóstico diferencial composto por patologias que cursam com sintomas
similares ao TDAH: envolve doenças como Epilepsias, Hipertireoidismo,
Coréia de Sidehan ou Déficits Sensoriais como deficiência auditiva e
visual. É importante afastá-las através de história clínica e exame
físico minuciosos. Dependendo da necessidade a investigação deve ser
finalizada com a realização de exames complementares.
Também é freqüente a
associação do TDAH com outros distúrbios psiquiátricos como Transtorno
Opositor-Desafiador, Transtorno de Conduta, Transtornos do Humor,
Transtorno de Ansiedade ou com distúrbios do desenvolvimento como
Transtorno de Aprendizagem Escolar e Distúrbio do Desenvolvimento da
Coordenação, o diagnóstico diferencial envolve o uso de Escalas de
Comportamento e a aplicação dos critérios do DSM-IV.
TDA/H – Seguimento
ambulatorial: As crianças com TDAH podem apresentar dificuldades em
várias funções cerebrais; isto gera repercussões negativas tanto em suas
capacidades acadêmicas como em suas relações sociais. O sucesso do
tratamento depende muito de como o médico orienta a criança, os
familiares e os professores. É preciso uma compreensão do problema em
sua origem, um entendimento sobre o seu curso e que estratégias podem
ser usadas para amenizar os seu efeitos. Ensinar os pacientes que a
origem do seu sofrimento tem uma gênese neurobiológica alivia-os da
culpa e motiva-os a participarem do tratamento. Orientar pais e
professores que a criança tem deficiências internas torna-os mais
tolerantes e participativos.
As bases do sucesso do tratamento podem ser resumidas nos seguinte tópicos:
1. Aprender a reconhecer os sinais da doença e diferenciá-los de mau comportamento
2. Manter comunicação clara e simples
3. Estabelecer metas, criar e manter um “contrato comportamental”
4. Medir as conquistas de acordo com o nível de funcionamento da criança
5. Reconhecer as pequenas melhoras
6. Evitar comparações
7. Criar um ambiente acolhedor em casa
8.Estabelecer limites, mas ser sensível às oscilações de humor
9.Manter a rotina de uma família normal
10. Usar o bom humor para lidar com situações conflitantes
11. Apoiar o regime medicamentoso
* Adaptado da obra Esquizofrenia e a Família – Anderson C. y Col.
Os medicamentos
psicoestimulantes devem fazer parte do plano terapêutico inicial da
maioria dos escolares com TDAH, porêm, é importante evitar suas
prescrições logo na primeira consulta. O médico deve lançar mão destas
opções quando estiver seguro do diagnóstico e evitar um equívoco
freqüentemente cometido que é o de usar a resposta positiva ao
medicamento como instrumento diagnóstico; também é importante que haja
resolução de possíveis conflitos entre familiares ou professores bem
como descartar problemas médicos que impeça o seu uso. É prudente
interrompê-los quando os sintomas não melhoram de forma siguinificativa
ou quando houver efeitos colaterais importantes.
Relatos científicos, não confirmados
até o momento, citam um possível comprometimento do desenvolvimento
pondero estatural em crianças que fazem uso de psicoestimulantes; isto
não os contra-indicam, porém, é importante que se realize monitorizações
semestrais de peso e estatura e os evite nos feriados e períodos de
férias. Periodicamente devem-se fazer reavaliações sobre o benefício da
sua continuidade; uma boa medida é deixar a criança sem medicamento nos
primeiros dias de aula e observar se esta falta prejudica sua
performance.
As principais causas de
falha terapêutica aos psicoestimulantes são diagnóstico incorreto de
TDAH, comorbidades não investigadas, doses inadequadas, horários
inadequados e efeitos colaterais não suportáveis.
Consultas médicas
periódicas são importantes para orientações aos familiares além de
propiciarem um útil intercâmbio de informações entre a escola e os
profissionais. É fundamental que o médico esteja atento a novidades
científicas; afinal, com a democratização da Internet informações
verdadeiras e falsas têm circulado livremente e os familiares nem sempre
têm o embasamento necessário para diferenciá-las.
3. Deficiência Mental (DM)
A deficiência mental
não é uma patologia específica, é um conjunto de sintomas e déficits de
funções cerebrais que podem apresentar-se isoladamente ou associar-se a
diferentes tipos de patologias. O quadro caracteriza-se por uma
inadequação intelectual
– idade maturativa inferior a cronológica
– originária no período de formação e
desenvolvimento cerebral, que dificulta a inserção acadêmica e
sócio-familar do indivíduo. As áreas mais comprometidas são aquelas que
envolvem aprendizagem, comunicação, autos-cuidados e habilidades
sociais. Os diversos estudos indicam que em 30 a 40% dos casos a
etiologia da DM não é bem definida. Os 60% restantes relacionam-se a
falta de estímulos ambiental, Embriopatias, Desnutrição
Protéico-Calórica, Erros Inatos do Metabolismo, e doenças genéticas como
S. do X frágil e S. de Down. .
O diagnóstico é
realizado através de testes quantitativos de inteligência (Wisc,
Binet-Simon, Terman-Merril) que visam o estabelecimento de um Quociente
Intelectual (QI) que é a relação entre a idade mental e a idade
cronológica. O QI normal é de aproximadamente 100 (idade cronológica –
idade maturativa) .
Inteligência Limítrofe: QI entre 70 e 100
DM Leve: QI entre 50-55 a aproximadamente 70
DM Moderado QI entre 35-40 a 50-55
DM Severo: QI entre 20-25 a 35-40
DM Profundo: QI abaixo de 20
Os casos limítrofes e
DM leve constituem 85% dos casos de DM, as crianças cursam inicialmente
com discreto atraso do desenvolvimento neuropsicomotor principalmente
com atraso ou dificuldades de linguagem. Geralmente são diagnosticados
em idades mais tardias, quando passam a freqüentar a escola, período em
que surgem as dificuldades de aquisição da leitura e de sociabilização
com outras crianças.
Possuem capacidade de alfabetização
desde que bem estimulados, são profissionalizáveis, adaptam-se aos
trabalhos manuais que não requerem raciocínio ou iniciativa. Os DM
moderados são treináveis, podem adquirir hábitos de higiene e
eventualmente atividade profissional supervisionada. Os DM severos e
profundo geralmente são de etiologia orgânica, são os que mais comumente
apresentam sintomatologia neurológica e condutas atípicas (pautas
autistas).
Transtorno de Aprendizagem Escolar – Algoritmo diagnóstico
1. Relatório Escolar com informações sobre o perfil acadêmico e comportamental da criança.
2. História clínica :
As principais características de TAE relacionado a doenças
neurobiológicas são dificuldades persistentes de aquisição da leitura,
principalmente após os nove anos de idade, antecedentes de a traso de
aquisição ou transtornos da linguagem, sintomas relacionados à atenção,
motricidade e memória, história familiar de doenças neurobiológicas como
TDAH, Tourret, Autismo, Distúrbios da linguagem e Dislexia.
3. Exame físico geral
4. Exame neurológico
evolutivo : análise de funções como atenção, percepção, memória,
coordenação, praxia, escrita (organização, ortografia) e leitura
(fluência e compreensão).
5. Avaliação da acuidade auditiva e visual.
6.Testes psicométricos para avaliar potencial cognitivo (psicólogo, neuropsicólogo)
7. Avaliação lingüística (fonoaudióloga)
8. Avaliação do Processamento Auditivo (processamento encefálico da audição)
9. DSM-IV, q uestionários de comportamento, respondidos por criança, professores e familiares.
10. Exames
complementares: São indicados somente quando há suspeita de patologia
orgânicas específicas que possam gerar sintomas cognitivos e
comportamentais. Eletroencefalograma: Epilepsias que cursam com crises
convulsivas sutis como Ausência, Parcial simples e complexa, crises
durante o sono. Níveis séricos de hormônios tireoidianos: disfunção de
tireóide. Erros inatos do metabolismo e Estudos cito-genéticos para
síndromes específicas. Exames de Neuroimagem: distúrbios da linguagem e
alterações motoras focais.
Conclusões
O melhor procedimento
diagnóstico e terapêutico a ser adotado diante de uma criança com TAE é
encaminhá-la para uma avaliação multidisciplinar procurando analisar
todas as circunstâncias sociais, familiares e individuais que a rodeiam.
É fundamental a compreensão que a patologia decorre de déficits de
funções cerebrais básicas e que tais déficits repercutem-se sobre o
comportamento e rendimento escolar da criança. Tanto as estratégias
educativas como as medicamentosas devem ter o objetivo de amenizar os
efeitos destes déficits.
Os profissionais que se
dedicam a esta área devem dispor de tempo, paciência, conhecimento
técnico, espírito de equipe e principalmente um sentido fraterno para
compreender as angústias destes pacientes e seus familiares para assim
orientá-los adequadamente.
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