quinta-feira, 11 de abril de 2013

Pais de autistas vivem drama para manter filhos no ensino regular


Silvia investe nos recursos visuais para facilitar a comunicação com o filho Tom, que já trocou passou por três escolas em apenas dez meses, por causa da falta de preparo das instituições de ensino
Foto: Eliária Andrade
Silvia investe nos recursos visuais para facilitar a comunicação com o filho Tom, que já trocou passou por três escolas em apenas dez meses, por causa da falta de preparo das instituições de ensino Eliária Andrade
RIO - A costureira Célia da Silva vive na Pavuna, subúrbio do Rio. A jornalista Silvia Ruiz mora em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. As duas não se conhecem, estão a exatos 421 quilômetros de distância e pertencem a extratos socioeconômicos diversos, mas são mães de meninos autistas e, por isso, estão unidas por uma luta comum: garantir educação aos filhos, um direito fundamental e obrigatório, segundo a Constituição, mas, em geral, desrespeitado, por isso muito lembrado no Dia Mundial de Conscientização do Autismo, comemorado amanhã.
Nos últimos dez meses, Silvia descobriu que um ato básico na vida de qualquer criança, como ir à escola, pode virar um tormento. Tudo por causa da condição do pequeno Tom, de 3 anos, que apresentava um desenvolvimento normal para a idade, mas, de repente, parou de se comunicar. O filho foi diagnosticado com transtorno do espectro autista — caracterizado por deficiência na interação social, padrão de comportamento repetitivo e dificuldade na aquisição da linguagem , que ocorrem em graus variados — e ela foi orientada a matriculá-lo, o mais rápido possível, no ensino regular, para ajudá-lo a se desenvolver. Assim o fez, em junho do ano passado. No entanto, por diversos problemas, Tom já está na terceira escola.
— Quando o médico fez o diagnóstico, disse que o Tom precisava ir logo para a escola, que faz parte do tratamento, pois o modelo vem das crianças típicas. Mas encontrei dificuldades.
O início do périplo foi em uma escola particular perto de casa. Silvia fez a matrícula, mas a coordenadora tentou convencê-la a tratar o filho com psicanálise. Segundo a jornalista, foram tantos os telefonemas que ela tirou o filho da instituição. Silvia partiu para outra escola, também particular. Pelo menos uma vez por semana, a terapeuta do filho ia ao local orientar os professores. Mas percebeu que as dicas não eram seguidas.
— É importante trabalhar com recursos visuais. Fizemos fotos das atividades da escola, para ajudá-lo, mas os professores não as usavam. Um dia, a terapeuta chegou à escola na hora do lanche, e o Tom estava na ponta da mesa, isolado. A professora justificou que ele poderia pegar a comida dos amigos. Mas, ao ser colocado com o grupo, ele partilhou o lanche, sem problema. Aí vi que a escola não estava aproveitando o suporte que eu estava dando. Há duas semanas, ele começou na terceira escola.
Célia disse que também gostaria de pagar um profissional de apoio para o filho, como Silvia, mas admite não ter condições financeiras. Talvez, com isso, imagina ela, Matheus teria conseguido se alfabetizar. O garoto tem 13 anos, estuda em uma escola pública municipal, de ensino regular, desde os 6, mas ainda não sabe ler nem escrever. No contraturno, duas vezes por semana, ele faz atividade complementar na Associação Mão Amiga, na Pavuna.
— Meu filho estudava no horário normal, mas logo reduziram a carga, e faz tempo que fica só 50 minutos por dia. Ele gosta da escola, a interação é boa, mas sei que a sala ideal tem que ter professor especializado e jogos pedagógicos. No grupo de mães que eu frequento, há muitas crianças ditas incluídas, mas que não sabem ler e nem escrever. E outras estão fora da rede. Se fosse feita uma pesquisa, iam descobrir tudo isso.
Segundo a lei Berenice Piana, 12.764, aprovada ano passado no Brasil, e assim intitulada em homenagem à mãe de um autista que tanto lutou pelo projeto, a escola é obrigada a dar infraestrutura para garantir a permanência do aluno com autismo na escola regular, inclusive recursos humanos. Doutora em Psicologia e professora de Educação Especial da UFF, Dayse Serra destaca a importância da aprendizagem:
— Na minha pesquisa de pós-doc, os pediatras dizem que, quanto mais cedo se descobre o autismo, mais chance há de se resgatar o desenvolvimento típico da criança. Por isso, não se pode reduzir a inclusão à convivência social. Inclusão é aprendizado e desenvolvimento.
Pesquisas internacionais demonstram que o autismo afeta em torno de 1% da população. Com isso, há uma estimativa de que teríamos em torno de 1,9 milhão de pessoas com autismo no Brasil. Mas ainda não existe estudo nacional que comprove esse número. Se for real, estamos longe da inclusão, pois, segundo o último Censo Escolar, do Ministério da Educação, em 2012 foram realizadas 34.144 matrículas de crianças com transtornos do espectro autista no país, sendo 25.624 em classe comum.
Diante dos problemas, há pais que desistem da escola ou optam por escolas para alunos especiais. Marie Schenk, porém, é insistente. E, para ela, a luta é dobrada, pois é mãe de Pedro, de 9 anos, e Luís, de 7, ambos com transtornos do espectro autista. Ela descobriu a síndrome quando morava nos Estados Unidos e, ao voltar ao Brasil, batalhou para garantir o direito dos filhos.
— Lá, existe um departamento de educação especial que faz a adaptação, com profissionais especializados, de diversas áreas. Aqui é como se estivessem só alugando o espaço físico. A classe precisa se adaptar e incluir essa criança. É aí onde todos ganham, inclusive as crianças típicas, que aprendem a ser mais tolerantes.
Com dificuldade para matricular Pedro, em Jundiaí (SP), ela procurou o Ministério Público.
— Fui na cara e na coragem. Nos primeiros seis meses, quatro professores e seis assistentes desistiram. No caso do Luís, fizeram-me assinar um papel no qual eu dizia que, se ele não aprendesse, não era responsabilidade da escola. Existe muita criança fora da escola. Falta fiscalização. E não é só a vaga. Tem que dar oportunidade de aprendizado. A escola regular é a vida como ela é, as diferenças fazem parte do mundo.
Sem opção, mães criam associações
Há mães que trilham outros caminhos ao se depararem com as portas fechadas. No Rio, Iranice Nascimento Pinto criou a Associação Mão Amiga, na Pavuna. Mãe de Paulo Igor, que hoje está com 19 anos e se alfabetizou sozinho, ela avalia que a situação não mudou muito desde o diagnóstico do filho, há 13 anos.
— Meu filho foi expulso várias vezes. Ficava 40 minutos, duas vezes por semana, na escola. Aí fundei a associação. As mães relatam os mesmos problemas de quando Paulo era criança.
Em Fortaleza, a pediatra Fátima Dourado seguiu o caminho de Iranice. Mãe de quatro filhos, dois deles autistas, fundou a Casa da Esperança, em 1993, que oferece serviços de saúde, educação e defesa de direitos e atende, diariamente, cerca de 400 pessoas, segundo ela.
— Quando a escola disse que não poderia mais ficar com o meu filho, foi o momento mais difícil da minha vida. Veio, então, a ideia da Casa da Esperança. As minhas primeiras parceiras foram oito mulheres, mães de autistas.
Autora do livro “Autismo e cérebro social, compreensão e ação (2012)”, Fátima diz que as crianças que recebem atenção precoce e adequada têm um desenvolvimento muito melhor.
— O dilema escola regular versus atendimento especializado não deve existir. A maioria das crianças autistas precisa de atenção especializada, inclusive para ter chances não só de ser incluída, mas de permanecer na escolar regular.
Diretora do Centro de Referência em Educação Especial da Prefeitura do Rio, Kátia Nunes nega resistência à matrícula de autistas. E orienta os pais a denunciar os casos:
— A gente não aceita discriminação na rede.

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