quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A coruja e o fogo

De: Fábulas do Argemiro
 
Uma vez, uma coruja, em seus voos de reconhecimento pela mata, percebeu um pequeno braseiro deixado para trás por um grupo de humanos. As brasas crepitavam sob a fina camada de terra com que os homens as cobriram. Sabe como é o fogo: teimoso, insiste em permanecer ardendo, escondido nas cinzas. Preocupada, a ave procurou os outros animais, com a intenção de avisar a todos e tomarem uma providência.
O macaco, um dos mais hábeis da floresta, logo se animou, com os olhos a brilhar:
- "Fogo? Hummm... se os humanos deixaram aceso, com certeza poderemos tirar algum proveito. Quem sabe não seria um presente que nos deixaram? Eu poderia assar uns pinhões, batatas..."
A coruja, prudente, alertou:
- "Fogo é perigoso. Para lidar com ele, é preciso muita habilidade e sabedoria. Não atende a todos. Os homens fazem dele um bom uso e, mesmo assim, volta e meia encaram incêndios que não podem controlar!"
O macaco deu de ombros:
- "Deixa de ser agourenta, ave egoísta! Você, que vive enfurnada nos telhados dos homens, deve se fartar com as guloseimas que preparam no fogão! Ou, então, pensa assim porque não tem mãos como as minhas para manipular as brasas e as batatas - aliás, nunca ouvi falar de uma coruja que soubesse aproveitar o bom paladar que frutas e folhas têm! Vive de comer camundongos!"
E, dirigindo-se aos outros animais que escutavam a conversa:
- "Vamos, amigos bichos! Teremos uma grande melhora na nossa dieta! Nossos filhos ficarão protegidos e aquecidos! Jaguatirica! Você poderá aproveitar melhor suas caças! Bicharada, os predadores precisarão matar menos, pois aproveitarão melhor as carcaças de suas presas! Gralhas! Pinhão assado é uma delícia, já os comi nas sobras de uma fogueira apagada! Tamanduá, tatu! Vocês poderão ter suas formiguinhas fritinhas! Nossos filhos creascerão mais fortes e sadios, tendo comida mais palatável!" - e fez assim sua pregação, defendendo com veemência sue ponto de vista.
A coruja, com sua sabedoria ancestral, posto que seu conhecimento passa das mães para os filhos, balançou a cabeça. Desceu até o riacho e encheu seu bico de água. Voou até o braseiro e despejou as gotas que carregava. Mas seu bico, pequeno, pouco podia fazer. Um colibri, vendo-a, imitou-a. Outros pássaros fizeram o mesmo, mas não conseguiam apagar as brasas que, vez por outra, lançavam pequenas faíscas para o alto.
O macaco pôs-se a vociferar, seguido pelo cachorro-vinagre, pelo tamanduá, pelo quati... Cercando as brasas, rosnavam para as aves que tentavam conter o fogo que ameaçava renascer das cinzas. Com um pedaço de pau, o macaco se pôs a avivar as chamas. A gralha trouxe pinhões. A jaguatirica pôs para assar uma rolinha que matara ao se aproximar para cuspir água no braseiro. O fogo se fez alto e os seus adeptos comemoravam o resultado.
Mas as chamas alcançaram uns ramos secos que pendiam sobre a pequena clareira que cercava a fogueira. E alastraram-se. Os bichos que alardearam as vantagens de dominar o fogo se apavoraram. A jaguatirica urrava, preocupada com seus filhos, ocultos em um oco de árvore. A tribo do macaco pulava de galho em galho, buscando uma saída.
A coruja, o colibri e as outras aves que tentaram evitar o mal que previam, voaram para longe, para esperar que, findas as chamas, o verde da mata tornasse a brotar. E filosofaram: nem todo agouro é mau agouro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário