UMA VISÃO INTERIOR DO AUTISMO
Tradução feita por Jussara Cunha de Mello - Belo Horizonte a pedido da Associação
de Pais de Portadores de Autismo e outras Síndromes - APPAS.
Obtida da INTERNET- ftp://ftp.syr.edu/information/autism/an
inside_view_of_autism_txt
Temple Grandin
Department of Animal Science, Colorado State University
Fort Collins, Colorado 80523
High-Functioning Individuals With Autism, edited by Eric Schopler and Gary B. Mesibov
Plenum Press, New York, 1992
INTRODUÇÃO
Eu tenho 44 anos de idade e sou uma mulher autista com uma carreira internacional bem
sucedida. Meu trabalho é projetar equipamento para animais (especialmente gado) de
fazendas. Completei meu Ph.D em ciências animais na Universidade Estadual do Colorado.
Foi a intervenção precoce iniciada aos 2 anos e meio de idade que me ajudou a superar
minha deficiência.
Neste capítulo falarei sobre a frustração que senti por não ser capaz de falar e
sobre meus problemas sensoriais. Meus sentidos são super sensíveis ao barulho e ao
toque. O barulho, especialmente quando é bem alto, dói meus ouvidos, e eu evito ser
tocada para não ter que sentir aquela sensação opressiva.
Eu construí uma máquina de compressão que ajudou muito a acalmar meus nervos e a
tolerar mais o toque. Na época da puberdade, comecei a ter horríveis ataques de nervos e
de ansiedade. Eles foram ficando piores com o passar do tempo. Medicamentos
antidepressivos aliviavam a ansiedade. Na última parte do capítulo abordo como
direcionei minhas fixações em atividades construtivas e a uma carreira. A importância
de um mentor é fundamental. Minhas habilidades e deficiências serão cobertas em
detalhes nesta reportagem. Todo o meu pensamento é visual, como se fossem fitas de
vídeos passando na minha imaginação. Até mesmo conceitos mais abstratos como "se
dar bem com outras pessoas" são visualizados através do uso da imagem de uma porta.
A FALTA DA FALA
Não ser capaz de falar era uma completa frustração. Se os adultos falassem
diretamente comigo eu podia entender tudo o que eles me falavam, mas eu não conseguia
colocar as palavras para fora. Era como se fosse um balbucio ou uma grande gagueira. Se eu
era colocada numa situação de leve "stress", as palavras às vezes superavam a
barreira e conseguiam sair. Minha fonoaudióloga sabia como penetrar no meu mundo. Ela me
segurava pelo queixo, me fazia olhar em seus olhos e dizer "bola".
Aos 3 anos de idade, "bola" saiu de minha garganta com grande esforço e
soava mais como "bah". Se a terapeuta decidisse exigir muito de mim, eu fazia
manha e pirraça. Se ela não exigisse de mim o suficiente, eu não fazia nenhum
progresso. Minha mãe e meus professores ficavam imaginando porque eu gritava tanto. Os
gritos eram a única maneira que eu tinha para me comunicar. Às vezes eu pensava
logicamente comigo mesma, "eu vou gritar agora porque eu quero falar para alguém que
não quero fazer determinada coisa".
É interessante que a minha fala se pareça com a fala estressada de crianças pequenas
que tiveram tumores removidos do cerebelo. Rekate, Grubb, Aram, Hahn e Ratcheson (1985)
descobriram que cirurgias de câncer que tenham lesado "vermis, nuclei e os dois
hemisférios do cerebelo" causaram uma perda temporária da fala em crianças
normais.
Os sons das vogais eram os primeiros a retornar, e a fala receptiva era normal.
Courchesne, Yeung-Courchesne, Press, Hesselink e Jernigan (1988) deram a reportagem que de
cada 18 autistas que funcionam num nível de alto a moderado, 14 deles têm o cerebelo
menor (cerebellar vermal lobules VI e VII). Bauman e Kemper (1985) e Ritvo et al (1986)
também descobriram que os cérebros de autistas tinham um número menor de células
"Purkinje" no cerebelo. No meu caso, um exame de Ressonância Magnética revelou
anormalidades no cerebelo. Eu sou incapaz de andar em linha reta. O teste feito pela
polícia para descobrir se o motorista está bêbado, tipo "ande na linha", não
funciona comigo, eu acabo tombando para os lados. Porém minhas reações são normais
para outros testes de coordenação motora simples relacionados às funções ou
disfunções do cerebelo.
Estímulos vestibulares algumas vezes podem estimular a fala em crianças autistas.
Balançar a criança levemente num balanço às vezes ajuda a iniciar a fala (Ray, King
& Grandin, 1988). Determinados movimentos suaves, coordenados são difíceis para mim,
embora eu pareça bem normal para o observador casual.
Por exemplo, quando eu opero equipamentos hidráulicos que tenham uma série de
níveis, eu consigo operar perfeitamente um nível de cada vez. Coordenar os movimentos
para operar dois ou três níveis ao mesmo tempo é impossível para mim. Talvez isso
explique porque eu tenho tanta dificuldade em aprender a tocar um instrumento musical,
embora eu tenha um talento musical nato para melodia e tonalidade. O único
"instrumento" que eu consegui aprender é assoviar com minha boca.
RITMO E MÚSICA
Durante meus anos escolares primários, a minha fala não era completamente normal.
Geralmente eu gastava mais tempo do que as outras crianças para conseguir colocar minhas
idéias para fora. Cantar, porém, era bem fácil. Eu sou afinada e consigo, sem nenhum
esforço, sussurrar uma música que ouvi apenas uma ou duas vezes.
Eu ainda tenho muitos problemas com o ritmo. Consigo bater palmas num determinado ritmo
sozinha, mas sou incapaz de sincronizar o meu ritmo com o ritmo de outra pessoa. Park e
Youderian (1974) notaram uma falta de ritmo em pessoas autistas tocando piano. Os
problemas de ritmo podem estar relacionados com alguns problemas de fala. Os bebês
normais se movem em sincronia com a fala dos adultos (Condon & Sander, 1974). Os
autistas não conseguem isso. Condon (1985) também descobriu que os autistas têm grande
dificuldade em se orientar. Os que têm dislexia e os gagos também têm essa dificuldade
só que em grau bem menor. Um ouvido ouve o som primeiro do que o outro. O assincronismo
entre dois ouvidos chega a ser de mais de um segundo. Isso pode explicar alguns problemas
de fala. As pessoas ainda me acusam de interromper conversas. Devido a uma falta de
percepção de ritmo, é difícil para mim saber quando entrar na conversação. Não
consigo seguir facilmente os altos e baixos do fluxo de uma conversa.
PROBLEMAS AUDITIVOS
Minha audição funciona como se eu usasse um aparelho auditivo cujo controle de volume
só funciona no "super alto". É como se fosse um microfone ligado que capta
todo barulho ao redor. Eu tenho duas escolhas: deixar o microfone ligado e ser inundada
pelo barulho, ou desligar. Minha mãe conta que algumas vezes eu agia como fosse surda.
Testes e exames mostravam que minha audição era normal. Eu não consigo moderar os
estímulos auditivos que entram por meus ouvidos. Muitos autistas têm problemas como este
(Ornitz, 1985). Em geral eles têm reações exageradas ou mínimas. Ornitz (1985) sugere
que algumas das deficiências cognitivas podem ser causadas por distorções sensoriais. O
autismo também traz profundas anormalidades nos mecanismos neurológicos que controlam a
capacidade da pessoa de mudar o foco de atenção em meio a diferentes estímulos
(Courchesne, 1980).
Eu não sou capaz de falar ao telefone dentro de um escritório barulhento ou
aeroporto. Todo mundo consegue falar ao telefone num ambiente barulhento, mas eu não. Se
eu tento apagar de minha mente o barulho que está num pano de fundo, eu acabo apagando
também a conversa do telefone. Uma amiga minha, com pouco comprometimento autístico, tem
um problema semelhante ao meu, só que pior. Ela não consegue
ouvir uma conversa numa sala relativamente quieta de um hotel.
Os autistas devem ser protegidos dos barulhos que os incomodam. Barulhos altos e
bruscos doem meus ouvidos como se fosse a broca de um dentista pegando um nervo. Um homem
autista de Portugal muito dotado escreveu: "Eu saltava de dentro de mim quando ouvia
barulho de animais" (White & White, 1987).
A criança autista cobre seus ouvidos porque certos sons doem. O barulho
freqüentemente faz meu coração disparar. Anormalidades no cerebelo podem ter um
importante papel em aumentar a sensibilidade aos sons. Pesquisas em ratos indicam que o
"vermis" do cerebelo modula a entrada sensorial (Crispin & Bullock, 1984).
Estímulos no cerebelo de um gato com um eletrodo tornarão o gato supersensível à sons
e toques (Chambers, 1947).
Eu continuo detestando lugares confusos e barulhentos, tais como os Shopping Centers.
Barulho contínuo e estridente como o do secador de cabelo ou ventilador de banheiro é
irritante. Eu consigo fechar a minha audição e me ausentar da maior parte dos diferentes
tipos de barulhos. Porém algumas freqüências são impossíveis de serem
desconsideradas. É simplesmente impossível que uma criança autista se concentre em sala
de aula se ela estiver sendo bombardeada com barulho que penetra sua mente como se fosse o
motor de um avião. Quando eu era criança, a governanta da minha família costumava me
punir enchendo uma sacola de papel de ar e estourando essa sacola em meus ouvidos. Para
mim era uma tortura.
Mesmo agora eu ainda tenho problemas em "me desligar". Às vezes eu estou
ouvindo uma música que gosto e de repente percebo que perdi a metade da música. Minha
audição simplesmente se fecha automaticamente. Na faculdade eu tinha que ficar tomando
notas o tempo todo para evitar que isso acontecesse.
O homem de Portugal que eu citei também escreveu que manter uma conversa é muito
difícil. A voz da outra pessoa ficava longe como se fosse uma estação de rádio
distante (White & White, 1987).
PROBLEMAS DE TATO
Eu sempre me comportava mal na igreja quando criança; minha anágua coçava e
arranhava. As roupas de domingo eram diferentes na minha pele. A maior parte das pessoas
se adapta em poucos minutos com a sensação de diferentes texturas de tecidos. Mesmo
agora eu evito usar tipos diferentes de roupas de baixo, pois eu gasto de três a quatro
dias para me adaptar a novas texturas. Quando criança, na igreja, as saias e meias me
deixavam quase doida. Minhas pernas doíam no inverno frio quando eu usava saia. O maior
problema era a troca de calças que eu usava a semana toda para as saias no domingo. Se eu
usasse saias o tempo todo, eu provavelmente teria dificuldade em me adaptar às calças.
Hoje em dia eu uso roupas que tenham textura semelhante. Meus pais não tinham idéia
porque eu me comportava tão mal. Pequenas mudanças nas minhas roupas teriam resolvido
esse problema.
Algumas crianças com esse problema podem ser ajudadas. Encoraje a criança a esfregar
apele com pedaços de tecidos de texturas diferentes. Ajuda a eliminar o excesso de
sensibilidade.
COMPRESSÃO
No meu livro "Emergence: Labeled Autistic" (Grandin & Scariano, 1986), eu
descrevo a ânsia que eu sentia no meu corpo para receber um estímulo de compressão. Eu
queria sentir aquela sensação agradável de estar sendo abraçada, mas quando as pessoas
me abraçavam eu me sentia invadida por estímulos como se uma forte onda do mar se
abatesse sobre mim. Quando eu tinha apenas 5 anos de idade, eu costumava "sonhar
acordada" com uma máquina imaginária. Em meus sonhos, eu entrava dentro da máquina
e ela me pressionava de maneira suave e confortável. Era de extrema importância que eu
fosse capaz de controlar a máquina. Eu tinha que ser capaz de interromper os estímulos
quando eles se tornassem muito intensos. Quando as pessoas me abraçavam, eu ficava
enrijecida e tentava me afastar delas para evitar a enxurrada de estímulos
desagradáveis. Eu parecia um animalzinho feroz resistindo. Quando pequena gostava de
ficar debaixo das almofadas do sofá e ter minha irmã sentada sobre elas. Nas diversas
conferências sobre autismo que participo, uns 30 a 40 pais já vieram até mim e me
disseram que seus filhos buscam este estímulo de profunda compressão. Pesquisas de
Schopler (1965) indicaram que crianças autistas tendem a preferir os estímulos
sensoriais mais próximos como o toque, o gosto ou o cheiro do que os mais distantes como
a audição ou a visão.
A MÁQUINA DE COMPRESSÃO
Aos 19 anos de idade eu construí uma máquina de compressão. Este modelo é
totalmente forrado com uma borracha macia e o usuário tem completo controle sobre a
duração e a quantidade de pressão que a máquina exerce. Uma descrição completa da
máquina está em Grandin (1984) e Grandin e Scariano (1986). A máquina proporciona uma
pressão confortante sobre grandes áreas do corpo.
Levou muito tempo para que eu aprendesse a aceitar a sensação de ser abraçada e não
tentar me afastar. Reportagens na literatura indicam que as pessoas autistas tendem a não
ter empatia (Bemporad, 1979; Volkmar & Cohen, 1985). Eu acho que a falta de empatia
é, em parte pela falta dos estímulos agradáveis do tato
Há mais ou menos 12 anos atrás, eu observei que as reações de um gato siamês em
relação a mim após eu ter feito uso da máquina de compressão. Este gato costumava
fugir de mim, mas após eu usar a máquina, aprendi a acariciar o gato gentilmente e ele
decidiu ficar comigo. Eu precisei ser confortada antes de ser capaz de oferecer conforto
ao gato (Grandin, 1984).
Eu tenho descoberto com minhas próprias experiências que eu quase nunca me sinto
agressiva após usar a máquina. Foi necessário que eu aprendesse a receber a compressão
confortadora da máquina primeiramente para que eu me relacionasse melhor com as pessoas.
Há 12 anos atrás eu escrevi: "Eu observo que, a não ser que eu seja capaz de
aceitar a máquina de compressão na vida, eu nunca serei capaz de dar amor a outro ser
humano." (Grandin, 1984).
Durante o meu trabalho com gado, eu percebo que tocar os animais faz com que eu cresça
em empatia por eles. Quando eu toco e esfrego as mãos nos animais me sinto mais gentil em
relação à eles. A máquina teve um grande efeito no sentido de acalmar o meu sistema
nervoso.
Essas máquinas de compressão têm sido usadas em algumas clínicas para se trabalhar
com criança autistas e hiperativas. Lorna King, uma terapeuta ocupacional de Phoenix,
Arizona, afirma que a máquina tem um efeito calmante sobre o comportamento hiperativo.
Terapeutas têm descoberto que um estímulo compressor profundo tem um efeito calmante
(Ayres, 1979). Estudos com animais e com pessoas mostram que a compressão reduz os
estímulos do sistema nervoso (Kumazawa, 1963; Melzac, Konrad & Dubrobsky, 1969;
Takagi & Kobagasi, 1956).
Pressão nas laterais dos porcos induz a um processo de relaxamento (Grandin, Dodman
& Shuster, 1989).
ANSIEDADE NA PUBERDADE
Na infância eu era hiperativa, mas nunca havia me sentido "nervosa" até
chegar à puberdade. Nesta época o meu comportamento foi de mal a pior. Gillberg and
Schaumann (1981) descrevem uma deterioração no comportamento de muitas crianças
autistas quando atingem a puberdade.
Logo após a minha primeira menstruação, os ataques de ansiedade iniciaram. Era um
constante sentimento de pavor a todo tempo. Quando as pessoas me perguntam como é, eu
digo: "Imagine que você fez algo que lhe trouxe grande ansiedade, como, por exemplo,
a sua primeira fala em público. Agora pense bem se você se sentisse assim a maior parte
do tempo sem razão de ser.". Eu ficava com o coração batendo rápido, as palmas
das mãos suadas e inquieta.
Os "nervos" me pareciam mais uma situação de hipersensibilidade do que
ansiedade. Era como se o meu cérebro estivesse correndo a 150 quilômetros por hora em
vez de 60. "Librium" e "Valium" (medicamentos fortes) não conseguiam
me dar alívio. Os "nervos" seguiam um ciclo diário e ficavam pior à tardinha
e no início da noite. Eles se acalmavam tarde da noite e no início da manhã. Os
"nervos" iam em ciclos com a tendência de piorar na primavera e no outono. Eles
também se acalmavam durante a menstruação.
Às vezes os "nervos" se manifestavam de outras formas. Por semanas eu tinha
"crises de colite" e quando eu tinha os "ataques de nervos" iam
embora.
Eu estava desesperada por alívio. Um dia eu descobri que se eu fosse no brinquedo de
rodar do parque de diversões eu sentia um alívio temporário. Pressão intensa e
estímulo vestibular acalmavam meus nervos. Bhatara, Clark, Arnold, Gunsett e Smeltzer
(1981) descobriram que crianças autistas pequenas têm sua hiperatividade reduzida
quando, duas vezes por semana, são colocadas numa cadeira giratória e giradas.
Enquanto visitava o rancho da minha tia, eu observei que o gado era às vezes levado à
um tubo pressurizador para receber uma pressão relaxante. Alguns dias depois eu tentei em
mim mesma e me aliviou por algumas horas. A máquina que eu construí para mim mesma foi
inspirada na máquina que eu vi no rancho da minha tia e tinha duas funções: ajudar a
relaxar os meus nervos e prover um sentimento agradável de ser abraçada.
Antes de construir a máquina, a única maneira de conseguir alívio era através de
muito exercício físico ou trabalho manual.
Pesquisas feitas com pessoas autistas ou retardadas mostram que vigorosos exercícios
físicos podem diminuir o índice de comportamento disruptivo e os estereótipos (McGimsey
& Favell, 1988; Walters & Walters, 1980). Existem duas outras maneiras de lutar
contra os nervos: fixar numa atividade intensa ou se retirar e tentar diminuir ao máximo
toda a intromissão de estímulos externos. Fixar numa atividade para mim teve efeito
calmante. Enquanto eu era a editora da revista para criadores de gado "Arizona Farmer
Ranchman", eu costumava escrever três artigos a cada noite. Enquanto estava
datilografando furiosamente, eu me sentia mais calma. Eu ficava muito nervosa quando não
tinha nada para fazer.
Com o passar da minha idade os meus nervos ficaram piores. Há 8 anos eu passei por uma
cirurgia de vista que foi muito estressante para mim e disparou o pior ataque de nervos da
minha vida. Eu acordava no meio da noite com meu coração aos pulos e os pensamentos
obsessivos de que eu estava ficando cega.
MEDICAMENTOS
Na próxima parte eu vou descrever as minhas experiências com medicamentos. Existem
muitas variações do autismo e o que funciona comigo pode não funcionar com outra
pessoa. Os pais de crianças autistas devem buscar orientação de médicos e
profissionais que estejam acompanhando as últimas pesquisas médicas.
Eu li na biblioteca médica que as drogas antidepressivas tais como
"Trofanil" (imipramine) são efetivas para tratar pacientes com ansiedade e
pânico endógeno (Sheehan, Beh, Ballenger & Jacobsen, 1980). Os sintomas descritos
nos arquivos médicos eram semelhantes aos meus sintomas, por isso eu decidi tentar
"Trofanil". 50 mg deste medicamento na hora de dormir funcionaram como mágica.
Em uma semana a sensação de nervosismo começou a ir embora. Depois de usar
"Trofanil" por 4 anos eu mudei para 50 mg de "Norpramin"
(desipramine), que tem menos efeitos colaterais. Essas pílulas mudaram a minha vida. Os
problemas de colite e outras doenças relacionadas ao stress foram resolvidos.
O Dr. Paul Hardy, de Boston, acha que "Trofanil" e "Prozac"
(fluoxetine) são medicamentos efetivos para tratar certos pacientes autistas (adultos e
adolescentes) com pânico e ansiedade. Tanto o Dr. Hardy quanto o Dr. John Ratey
(comunicação pessoal, 1989) aprenderam que devem ser usadas doses bem pequenas destas
drogas.
Em geral, essas doses são bem menores do que as doses usadas para tratar depressão.
Doses muito altas podem causar agitação, agressão ou excitação, e doses muito baixas
não fazem efeito. Meus "ataques de nervos" se manifestavam em círculos, e eu
tive várias recaídas mesmo tomando os medicamentos. Foi preciso muita força de vontade
para continuar com as 50 mg de medicamento e deixar as recaídas irem diminuindo aos
poucos. Antes de começar a tomar o remédio, a "máquina" (comparando com um
carro) estava correndo muito o tempo todo. Agora eu sinto que ela corre numa velocidade
normal. Eu não tenho mais as fixações de antes; "Prozac" e
"Anafranil" (clomiprmine) têm se mostrado efetivos em autistas que têm
sintomas obsessivos-compulsivos ou pensamentos obsessivos correndo em suas mentes o tempo
todo. As doses efetivas de "Prozac" têm sido algo entre 2 cápsulas de 20 mg
por semana à 40 mg por dia. Outras drogas promissoras para adolescentes ou adultos
agressivos são os bloquedores beta (beta blockers). Eles reduzem de forma significante o
comportamento agressivo (Ratey *et al*., 1987).
UMA MELHORA LENTA
Durante os 8 anos que eu tenho tomado antidepressivos, tenho tido uma melhora estável
na minha fala, sociabilização e postura. A mudança aconteceu tão gradualmente que eu
nem percebi. Muito embora tenha sentido o alívio nos meus "nervos"
imediatamente, leva tempo para desaprender velhos hábitos.
No ano passado, eu visitei uma antiga amiga que me conhecia antes que eu começasse a
usar os medicamentos. A minha amiga Billie Hart, me disse que eu era uma pessoa mudada.
Ela me disse que a minha postura agora é ereta e o meu contato de olhos melhorou muito.
Ela também me disse que eu não pareço estar mais o tempo todo sem ar na minha
respiração, e parei de engolir constantemente.
Várias pessoas que eu conhecia de muitas reuniões sobre autismo, têm visto bastante
melhora na minha fala e maneirismos nestes oito anos que eu tenho tomado medicamentos.
Minha velha amiga Lorna King também vê essas mudanças. "Sua fala parecia
pressurizada, saindo de uma maneira quase explosiva".
Eu acho que video-tapes podem ajudar muito, em especial pessoas autistas com capacidade
de falar e interagir. Eu não conseguia perceber as minhas "esquisitices" de
fala e maneirismos até que comecei a me observar no vídeo.
HISTÓRICO FAMILIAR
Podemos aprender muito com o histórico de nossa família.
Nas minhas muitas viagens para conferências de autismo, tenho encontrado famílias com
desordem afetiva no seu histórico. A relação entre desordem afetiva e autismo é
também mencionada na literatura (Gillberg & Schaumann, 1981). O histórico familiar
de pessoas autistas pouco comprometidas costuma conter ansiedade ou pânico, depressão,
dons ou grandes habilidades em certas áreas, alergia a certos alimentos e determinados
tipos de desordem no aprendizado. Em muitas das famílias que eu entrevistei, a desordem
nunca havia sido formalmente diagnosticada, porém um questionário cuidadoso era
revelador.
SINTOMAS DE DEPRIVAÇÕES SENSORIAIS
Animais colocados num ambiente que restringe de forma severa os estímulos sensoriais,
desenvolvem muitos dos sintomas autísticos, tais como um comportamento estereotipado,
hiperatividade e auto-estimulação (Grandin, 1984). Porque um autista e um leão preso
numa jaula de concreto de um zoológico têm algumas características semelhantes? Por
experiência própria eu gostaria de sugerir uma possível resposta. Como já disse,
sempre tive uma sensibilidade extrema aos estímulo auditórios e de tato. Eu
provavelmente criei um mundo à parte para me proteger dos estímulos que eu não
conseguia lidar. A minha mãe me diz que, quando eu era bebê, eu evitava as pessoas e me
endurecia toda. Desta forma, eu era aversiva ao contato com as pessoas e não recebia os
estímulos do tato que eu tanto precisava nesta época da minha vida. Os estudos em
animais mostram que restringir os estímulos sensoriais em filhotes e ratos afeta o
desenvolvimento normal do cérebro.
Os filhotes criados em canis de concreto sem contato com a natureza tendem a ser
hiperexcitáveis, e as ondas elétricas de seus cérebros contêm sinais de excitamento
nervoso até seis meses depois de serem removidos do canil (Melzack & Burns, 1965).
Crianças autistas, às vezes, têm as ondas (EEG) de seus cérebros dessincronizados, o
que indica agitação(Hutt, Lee & Ounstead, 1965). Se cortamos fora os bigodes de um
filhotinho de rato, a parte do cérebro que recebe estímulos através do bigode fica
super sensível (Simons & Land, 1987). A anormalidade aqui fica mais ou menos
permanente, já que esta área do cérebro continua anormal mesmo depois que os bigodes
crescem de volta. Alguns autistas também têm um metabolismo cerebral hiperativo (Rumsey
*et al*, 1985).
Eu às vezes me pergunto, se tivesse recebido mais estímulos de tato quando pequena
será que eu seria menos "hiper" como adulta? Esses estímulos são muito
importantes para os bebês e ajuda no desenvolvimento (Casler, 1965). Terapeutas têm
percebido que crianças que evitam estímulos agradáveis ao tato podem aprender a gostar
desses estímulos se tiverem sua pele trabalhada e gradualmente acostumada com diferentes
toques. Pode esfregar a pele com tecidos e texturas diversas. Também pode pressionar a
pele da criança fazendo uma massagem agradável.
Eu nasci com problemas sensoriais devido a anormalidades no cerebelo, mas talvez uma
segunda lesão neurológica tenha sido causada por falta de estímulos de tato
apropriados, por eu evitar, quando bebê, o toque das pessoas. Autópsias em 5 cérebros
de autistas mostraram que anormalidades no cerebelo ocorreram durante o desenvolvimento
fetal, muitas áreas do sistema límbico eram imaturas e anormais (Bauman, 1989). O
sistema límbico não amadurece completamente até 2 anos após o nascimento. No meu
livro, eu descrevo algumas fixações estúpidas de "banheiro" que me colocaram
em situações difíceis. Uma pesquisa interessante de McCray (1978) mostra a ligação
entre a falta de estímulos de toque e o hábito excessivo da masturbação. A
masturbação cessou quando as crianças receberam mais afeição e abraços. Talvez
comigo essas fixações de "banheiro" nunca houvessem acontecido se eu tivesse
tido a capacidade de gostar de abraços e demonstrações de afeto quando eu era pequena.
Ultimamente tem havido muita publicidade sobre a terapia de segurar ou abraçar fortemente
a criança. Nessa terapia, a criança autista é abraçada até que ela pare de resistir.
Se isso houvesse sido feito comigo eu teria achado terrivelmente desagradável e
estressante. Muitos pais têm dito que usar essa terapia de forma mais gentil é bem
efetiva e ajudou a melhorar o contato de olhos, a fala e a sociabilização da criança.
"Powers e Thorworth" (1985) dão reportagem de resultados semelhantes. Talvez
fosse bom que bebês autistas fossem gentilmente acariciados quando tentam resistir ao
toque. A minha reação era a e um animal selvagem. A princípio o toque era intolerável
e depois se tornava agradável. A minha opinião é de que essa aversão seja quebrada
gradualmente, como se estivesse domando um animal. Se o bebê aprender a gostar do contato
físico, outros problemas de comportamento poderão, no futuro, ser minimizados.
DIRECIONANDO FIXAÇÕES
Atualmente eu tenho uma carreira bem sucedida projetando equipamento para gado, e devo
isso ao meu professor de ciências do segundo grau. O Sr. Carlock ajudou-me a canalizar a
minha fixação para me motivar a estudar psicologia e ciências. Ele também me ensinou a
usar tabelas científicas.
Este conhecimento me capacitou a descobrir o "Trofanil". Enquanto o
psicólogo queria eliminar a minha máquina de compressão, o meu professor encorajou-me a
ler jornais científicos para que eu pudesse entender porque a máquina tem um efeito
relaxante. Quando mudei-me para o Arizona para fazer a faculdade, costumava ir para os
ranchos estudar as reações do gado à máquina. Este foi o início da minha carreira.
Hoje sou reconhecida como líder no meu campo de trabalho, viajo pelo mundo todo
projetando equipamentos para grandes firmas de gado e já escrevi mais de 100 trabalhos
científicos e técnicos nesta área (Grandin, 1984). Se o psicólogo tivesse tido sucesso
em tirar de mim a minha máquina compressora, talvez agora eu estivesse sentada em algum
canto apodrecendo em frente a uma TV em vez de estar escrevendo este artigo.
Alguns dos autistas mais bem sucedidos são pessoas que, de alguma forma, conseguiram
canalizar as fixações da infância transformando-as em carreiras (Bemporad, 1979;
Grandin & Scariano, 1968; Kanner, 1971). Quando Kanner (1971) acompanhou e buscou
saber sobre seus 11 casos originais, haviam dois que se sobressaíam e eram bem sucedidos.
Um deles transformou a fixação que tinha por números em um bom trabalho em um Banco.
Quando era criança um fazendeiro o contratou e encontrou um alvo para sua fixação. Ele
disse que o menino poderia contar as fileiras de pés de milho se ele arasse a terra.
Muitas das minhas fixações, à princípio, estavam relacionadas aos meus sentidos.
Quando eu estava na quarta série, gostava de usar um certo tipo de propaganda eleitoral
que era feita de duas placas de madeira presas de maneira que eu as vestia como se fosse
um vestido. Na verdade, eu gostava de me sentir um sanduíche com as placas na frente e
atrás. Alguns terapeutas dizem que o uso de uma veste mais pesada freqüentemente reduz a
hiperatividade.
Mesmo que a minha atração por propagandas eleitorais tenha se iniciado por razões
sensoriais, eu acabei me interessando por eleições. Meus professores deviam ter tirado
proveito disso para me estimular e me fazer interessada em Estudos Sociais. Calcular os
pontos das eleições poderia me ajudar em Matemática. A minha leitura poderia ser
motivada através da leitura das propagandas e das pessoas que estavam concorrendo aos
cargos políticos. Se uma criança se interessa muito por aspiradores de pó, então use o
livreto de instruções do aspirador como livro texto para essa criança.
Outra das minhas fixações eram as portas de correr de vidro. No início eu estava
interessada nelas porque eu gostava da sensação de vê-las se movimentando. Depois,
gradualmente as portas tiveram outro significado para mim. Vou falar sobre isso num outro
capítulo. Um adolescente autista que tenha interesses desse tipo pode ser estimulado a
aprender mais sobre ciências. Se o meu professor tivesse me desafiado a aprender os
mecanismos e partes eletrônicas da porta de correr, eu provavelmente teria entrado na
área de eletrônica. As fixações podem ser tremendos motivadores e os professores
precisam usar essa ferramenta. Quando os interesses da criança são estreitos é preciso
trabalhar para aumentá-los e transformá-los em atividades construtivas. O mesmo
princípio pode ser aplicado tanto em crianças com um comprometimento pequeno quanto
crianças com comprometimento mais forte com o autismo. Simons e Sabine (1987) dão uma
lista com muitos bons exemplos.
É preciso diferenciar as fixações dos estereótipos do tipo bater palmas ou ficar se
balançando. Fixação é um interesse em algo externo como avião, rádio ou portas de
correr. A criança que fica agindo estereotipicamente por um longo período de tempo pode
danificar o sistema nervoso.
VISUALIZAÇÃO
O meu pensamento é visual. Quando eu penso em conceitos abstratos como me relacionar
bem com outras pessoas, eu uso imagens visuais como a de uma porta de correr.
Relacionamentos devem ser abordados de uma forma cuidadosa caso contrário a porta pode se
fechar bruscamente. Park e Youderian (1974) descrevem visualização para explicar
conceitos abstratos. Quando eu era pequena, eu precisava visualizar a oração do
"Pai Nosso" para compreendê-la. O "poder e a glória" eu via como
torres elétricas de alta tensão e um imenso arco-íris brilhante formando um sol. A
palavra "transgressão" era visualizada como um sinal de "proibido
traspassar" preso na árvore do meu vizinho. Algumas partes da oração eram
simplesmente incompreensíveis para mim. O único tipo de oração não visual que eu
tenho é quando eu penso em música. Hoje eu não preciso mais usar a imagem da porta
quando eu penso em relacionamentos pessoais, mas eu preciso relacionar um determinado
relacionamento em particular com algum coisa que eu li. Por exemplo, a briga entre Jane e
Joe (estórias em quadrinhos) era como o Canadá e os Estados Unidos discutindo a respeito
de algum tratado comercial. Quase todas as minhas memórias estão relacionadas a imagens
visuais de eventos específicos. Se alguém diz a palavra "gato", a imagem que
me vem a mente é de determinados gatos em particular; gatos que vi ou li a respeito. Eu
não consigo pensar em gatos de uma forma generalizada.
A minha carreira profissional me ajuda a focalizar os meus talentos e minimizar as
minhas fraquezas. Ainda hoje eu tenho problema em seguir uma extensiva quantidade de
informações verbais. Se as direções de um posto de gasolina contiverem mais do que
três passos, eu tenho que escrevê-las. Estatísticas são coisas extremamente difíceis
para mim porque eu não consigo manter uma parte da informação na minha cabeça enquanto
executo o próximo passo. Álgebra para mim é quase impossível, pois não consigo fazer
uma imagem visual e acabo misturando os passos na seqüência. Para aprender estatísticas
eu tive que sentar com um tutor e escrever as direções para cada teste.
Eu não tenho problema em entender os princípios das estatísticas, pois consigo ver
as distribuições na minha cabeça. A questão é que não consigo lembrar a seqüência
para fazer os cálculos. Eu tenho também alguns traços de dislexia, tais como reverter
os números e misturar as palavras que têm um som parecido. Também confundo
"direito" com "esquerdo".
Sou capaz de "ver" cada parte do projeto vai se encaixar e também consigo
"ver" as possibilidades de problemas. Às vezes fico abismada em ver os
arquitetos e engenheiros cometendo erros tão estúpidos nos edifícios. O desastre no
Hyatt Regency que matou 100 pessoas foi causado por erro de visualização. A pessoa que
pensa de maneira seqüencial não consegue ver o "todo". Eu tenho visto várias
vezes em indústrias onde alguém da manutenção com apenas o segundo grau consegue
desenhar uma peça de equipamento depois que todos Ph.D's da Companhia já tentaram e não
conseguiram. Ele pode ser um pensador visual. Existem, provavelmente, dois tipos de
pensadores: visual e seqüencial. Farah (1989) concluiu que "pensar em imagens é
distinto de pensar em linguagem". Eu tenho tido a oportunidade de entrevistar pessoas
brilhantes que têm o pensamento visual muito pequeno.
Existe, no entanto, uma área de visualização onde eu sou bem pobre. É difícil para
mim reconhecer rostos, a não ser que eu conheça a pessoa a muito tempo. Isso costuma me
trazer problemas sociais. Einsten era um pensador visual que foi reprovado no segundo grau
na matéria de "Linguagem" e ele costumava depender de métodos visuais para
estudar (Holton, 1971-1972). Numa reunião sobre autismo eu tive a oportunidade de
conhecer alguns familiares de Einsten. O histórico da família tem um alto índice de
autismo, dislexia, alergia alimentar, dons de maneira geral e talentos musicais. O
próprio Einsten tinha muitos traços autísticos. Um leitor perspicaz pode percebê-los
lendo Einsten &Einsten (1987) e Lepscky (1982).
Um brilhante programador de computador, que também é autista, me disse que ele
consegue visualizar a árvore do progama em sua mente e depois é só preencher os galhos
com os códigos. Um compositor autista me disse que ele fazia "sons-gravura".
Eu era boa construindo coisas, mas quando comecei a trabalhar com desenho levou tempo
até que eu aprendesse a relacionar as linhas do desenho com a visualização da minha
imaginação. Quando eu construí a casa dos meus tios, eu tinha dificuldade para
relacionar as marquinhas simbólicas no desenho e a real construção. A casa foi
construída antes que eu aprendesse a fazer uma planta. Agora posso traduzir
instantaneamente o desenho de uma planta na imagem de uma construção pronta. Enquanto eu
"agonizava" sobre as plantas de casas, fui capaz de tirar do meu
"arquivo" de memórias uma reforma que foi feita na minha casa quando eu tinha 8
anos de idade. As imagens mentais da minha infância me ajudaram a instalar janelas,
colocar tomadas e esquematizar o sistema de água e esgoto. Eu repassava os
"vídeos" das minhas lembranças e imaginação.
CARACTERÍSTICAS DA GENIALIDADE
Estudos comprovam que quando os autistas-gênios ficam menos fixados e mais sociáveis
eles vão perdendo suas características de genialidade (savant skills), tais como a
capacidade de contar cartas de um jogo quase imediatamente, calcular calendários ou a
genialidade nas artes (Rimland & Fein, 1988). desde que eu comecei a tomar
medicamentos eu perdi a minha fixação, mas não a capacidade de visualizar. Alguns de
meus melhores trabalhos foram feitos enquanto eu estava sob o efeito de medicamentos.
Minha opinião é que os autistas-gênios perdem algumas de suas genialidades porque
eles perdem a capacidade de fixar sua atenção. A contagem de cartas mostrada no filme
"Rain Man" não é nenhum mistério para mim. Eu acho que os gênios visualizam
as cartas na mesa como os desenhos de um tapete persa, por exemplo. Para saber quais
cartas ainda estão fora da mesa, eles simplesmente olham e vêm este tapete. A única
coisa que me impede de contar cartas ou calcular calendários é que eu não tenho mais a
concentração para segurar na minha mente uma imagem visual completamente imóvel por
muito tempo. É minha impressão que os autistas-gênios que se socializam, na verdade,
mantêm sua capacidade visual.
No meu caso, as imagens visuais mais fortes são de coisas que evocam emoções mais
intensas, como trabalhos importantes. Essas memórias nunca ficam distantes, mas
mantêm-se afiadas. No entanto, eu era incapaz de manter as imagens das casas que haviam
numa rua por onde eu sempre passava, até que tivesse feito grande esforço para isso. Uma
imagem visual forte é como um filme onde se vê todos os detalhes e pode ser passado na
mente exatamente como uma imagem. As imagens fracas são como um filme meio fora de foco e
podem ter detalhes faltando.
Os talentos precisam ser nutridos e ampliados em algo útil. Nádia, uma mulher autista
bem conhecida, desenhava muito bem quando pequena (Seifel, 1977). Quando ela conseguiu ter
as habilidades sociais mais rudimentares, ela parou com seus desenhos. Provavelmente os
talentos poderiam ser reacesos por algum professor que se interessasse nela de forma
pessoal. Seifel (1977) descreve como Nádia fazia desenhos nos guardanapos ou outros
papéis que ela pudesse encontrar. Ela precisava de equipamento apropriado. Treffert
(1989) fala de vários gênios que não perderam a sua genialidade quando se tornaram mais
sociáveis. O uso desses talentos era encorajado.
DEFICIÊNCIAS E HABILIDADES
Cinco anos atrás, eu fiz um teste para determinar minhas habilidades e deficiências.
O teste (Hiskey Nebraska Spatiak Reasoning Test) mostrou que a minha performance foi
normal ou um pouquinho acima. No outro teste (Woodcock-Johnson Spatial Relations Test), eu
consegui apenas uma pontuação regular porque era um tipo de teste controlado pelo
relógio, havia um tempo limite. Eu não sou do tipo que pensa rápido, leva tempo para
que a imagem visual se forme. Quando eu vou inspecionar um lugar para projetar o
equipamento de empacotar carne de gado, eu normalmente fico parada olhando para o prédio
por uns 30 minutos. Eu preciso imprimir a imagem na minha memória com todos os detalhes.
Depois de fazer isso, eu tenho um "vídeo" mental que eu posso passar quantas
vezes eu precisar quando estou trabalhando no projeto. Quando estou desenhando, a imagem
de uma nova peça de equipamento gradualmente emerge. À medida que a minha experiência
aumentava, eu necessitava de menos medidas para supervisionar o trabalho. Muitas vezes, em
projetos de reformas, os engenheiros acabam medindo um monte de coisas que no final serão
jogadas fora. Falta visualizar como o prédio vai ficar depois de reformado, onde partes
serão demolidas e partes acrescentadas.
A minha memória para coisas do tipo número de telefones é bem pobre, a não ser que
eu consiga transformar esses números em uma imagem visual. Por exemplo, o número 65
significa aposentadoria e eu visualizo alguém na Cidade do Sol no Arizona. Se eu não
consegui anotar, eu não consigo me lembrar o que as pessoas me disseram a não ser que eu
transforme aquela informação em imagens visuais. Recentemente eu estava ouvindo a fita
com uma palestra médica enquanto dirigia, para me lembrar de informações, dadas na fita
tais como a dosagem de certas drogas, eu precisei formar uma imagem mental. Por exemplo,
300mg é um campo de futebol com sapatos. Os sapatos me lembram que o número 300 é
"pés" e não metros.
No sub teste Woodcock-Johnson Blending, onde eu tinha que identificar palavras que
soavam bem devagar, eu tive uma graduação de segunda série escolar. Também no sub
teste de Aprendizagem Visual-Auditória eu fui um desastre. Eu tinha que memorizar o
significado de símbolos arbitrários, como por exemplo um "triângulo" que
significa cavalo e depois ler toda uma sentença composta por símbolos. Eu só consegui
aprender aquelas que eu podia fazer uma imagem dos símbolos, por exemplo, eu imaginei o
triângulo como uma bandeira carregada por um cavaleiro a cavalo. Línguas estrangeiras
eram para mim quase impossível. Formação de conceitos foi outro teste onde eu obtive a
graduação da quarta série. O nome desse teste, na verdade, me irrita porque eu sou boa
na formação de conceitos na vida real. O teste envolvia pegar um conceito como, por
exemplo, "largo", " amarelo" e depois achá-los num outro grupo de
cartões. O problema é que eu não conseguia manter o conceito na minha mente enquanto
procurava pelos outros cartões. Se me tivessem permitido escrever o conceito, eu teria me
saído muito melhor.
APRENDENDO A LER
A minha mãe foi a minha salvação no que diz respeito à leitura. Eu nunca teria sido
capaz de aprender pelo método que requer a memorização de centenas de palavras.
Palavras são muito abstratas para se lembrar. Ela me ensinou através de fonemas antigos,
que não são usados atualmente. Depois que eu trabalhei bastante e aprendi todos os sons,
eu fui capaz de ler as palavras. Para me motivar, ela lia uma página e parava subitamente
na parte mais empolgante. Eu tinha que ler a próxima sentença. Gradualmente, ela foi
lendo menos e menos. A Sra. David W. Eastham do Canadá ensinou seu filho autista a ler,
com métodos similares, fazendo uso de alguns métodos montessorianos. Muitos professores
pensavam que o menino fosse retardado. Ele aprendeu a se comunicar datilografando e veio a
escrever lindas poesias. Douglas Biklen da Universidade de Syracuse, já conseguiu ensinar
algumas pessoas autistas não-verbais a escrever fluentemente na máquina de escrever. A
princípio, para evitar repetição em uma só tecla, os pulsos são sustentados por outra
pessoa.
O método de leitura visual desenvolvido por Miller e Miller (1971) também pode ser de
grande ajuda. Para aprender verbos, por exemplo, cada palavra tem as letras desenhadas de
forma a parecer ação. Por exemplo, "cair" teria as letras caindo e
"correr" teria as letras como se fossem corredores. Esse método precisa ser
mais trabalhado e desenvolvido para se ensinar os sons através dele. Seria bem mais
fácil aprender os sons se usássemos a foto de um "trem choo-choo" para ensinar
o som "ch" e assim por diante.
A principio eu só conseguia ler em voz alta. Hoje, quando leio silenciosamente, uso
uma combinação de visualização instantânea com o som das palavras. Por exemplo, essa
frase de revista "muitos pedestres pararam na rua da cidade", é vista por mim
instantaneamente como um filme em movimento. As sentenças que contêm palavras mais
abstratas como "aparente" ou "incumbiu" são soadas foneticamente.
Quando criança, eu costumava sempre falar meus pensamentos, ou seja, eu "falava
sozinha". Isso se dava porque os meus pensamentos pareciam mais reais e mais
concretos dessa forma. Ainda hoje quando estou sozinha desenhando, eu costumo falar comigo
mesma sobre o projeto. A fala ativa mais áreas do cérebro do que o pensamento.
MENTOR
"Um professor imaginativo, preparado para gostar do que faz e desafiar a criança,
parece ser o fator decisivo no sucesso educacional de crianças autistas
'high-functioning'" (autista que funcionam num nível mental mais elevado) (Newson,
Dawson & Everard, 1982). Bemporod (1979) também menciona o conceito mentor. O
meu mentor no segundo grau foi o Mr. Carlock, meu professor de ciências. Os métodos
estruturais de modificação de comportamento que normalmente funcionam com crianças
pequenas são, geralmente, inúteis com crianças mais velhas "high-functioning"
com inteligência normal.
Eu tive muita sorte de seguir o caminho certo depois da faculdade. Conheci 3 outros
autistas "high-functioning" que não tiveram tanta sorte. Um deles é um homem
que é Ph.D em matemática e fica sentado em casa o tempo todo. Ele precisava de alguém
para encorajá-lo e dar um empurrão na direção certa. Não deu certo para ele ensinar
matemática, ele deveria ir em busca de uma posição onde pudesse pesquisar nesse campo e
assim teria menos contato diário com pessoas. A outra pessoa que conheço é uma mulher
formada em história que trabalha vendendo coisas por telefone. Ela precisa de um trabalho
onde possa utilizar seus talentos de forma mais ampla. Todos dois precisavam de ajuda
depois da faculdade. O terceiro homem fez o segundo grau com êxito, e também fica
sentado em casa. Ele tem um talento nato para pesquisas em bibliotecas. Se uma pessoa
interessada trabalhasse com ele, ele seria ótimo para fazer trabalhos para algum jornal,
pesquisando informações relacionadas a alguma história. Todos três precisam de
trabalhos onde eles possam focalizar seus dons e minimizar suas deficiências.
Também conheço uma mulher autista que teve sorte. Ela entrou para trabalhar na área
de artes gráficas onde é capaz de colocar a sua habilidade visual para funcionar. Sua
auto-estima também se levantou quando conseguiu sucesso com suas pinturas e foram
compradas por um banco local. O sucesso com as pinturas lhe abriu muitas portas sociais.
No meu próprio caso, as portas se abriram para mim depois que eu fiz um cenário para um
show da faculdade. Eu ainda continuei sendo vista como "estranha", mas pelo
menos já era considerada uma "estranha" legal. As pessoas respeitam os
talentos, mesmo quando acham você esquisita. Elas passavam a se interessar por mim depois
que viam os desenhos e fotos do meu trabalho. Eu me tornei uma "expert" na minha
área.
Os autistas "high-functioning" nunca se encaixarão de verdade nessa
roda-viva social. Se eles conseguem um trabalho interessante terão uma vida
satisfatória. Eu passo a maior parte das minhas sextas e sábados à noite escrevendo e
desenhando. Quase todos meus contatos sociais são com pessoas da minha área ou
interessadas em autismo. Eu prefiro ler obras de não-ficção, coisas que têm a ver com
os fatos. Eu tenho um interesse mínimo em novelas e todas as complicações dos
relacionamentos interpessoais que elas trazem. Quando leio romances, prefiro estórias que
sejam mais diretas e que aconteçam em lugares interessantes com muita descrição.
O mentor precisa ser alguém com capacidade de oferecer apoio e ajuda em diferentes
áreas e assuntos. O emprego é, em geral, uma área restrita, mas muitos autistas
precisam aprender a fazer orçamento de suas financias, como requerer da maneira certa os
planos de saúde e, às vezes, precisam de conselhos nutricionais. À medida que a pessoa
se torna mais independente, o mentor vai saindo de cena, mas ele pode ser necessário se a
pessoa perde o emprego ou enfrenta alguma crise.
QUEM ME AJUDOU A SUPERAR
Muitas pessoas me perguntam: "Como você conseguiu se recuperar?" Eu tive
muita sorte em ter as pessoas certas trabalhando comigo no momento certo. Aos dois anos de
idade, eu tinha todos aqueles sintomas típicos do autismo. Em 1949, a maioria dos
médicos não sabia o que era autismo, mas felizmente um neurologista sábio recomendou
uma "terapia normal" em vez de uma instituição. Eu fui levada a uma fono que
tinha uma escolinha maternal especial na sua própria casa. Essa fono foi o profissional
mais importante na minha vida. Aos 3 anos, minha mãe contratou uma governanta que
continuamente mantinha a mim e à minha irmã ocupadas. O meu dia era feito de atividades
estruturadas, tais como andar de skate, balançar, pintar. Embora as atividades fossem
estruturadas, eu podia ter algumas escolhas limitadas. Por exemplo, um dia eu podia
escolher entre construir um "homem de neve" ou escorregar nela. Ela na verdade
participava em todas as atividades e também nos liderava em atividades musicais. Nós
marchávamos ao redor do piano com tambores de brinquedo. Meus problemas sensoriais não
eram muito bem manejados. Eu teria sido muito beneficiada se tivesse um terapeuta
ocupacional treinado em integração sensorial trabalhando comigo.
Eu fui estudar numa escola primária normal com professores mais velhos e experientes
em salas pequenas. A minha mãe foi outra pessoa muito importante que me ajudou a superar.
Ela trabalhava em parceria com a escola. Ela usava técnicas que são usadas hoje em
programas que têm dado certo para me integrar à sala de aula. Um dia antes dela me levar
para a escola, ela e a professora explicaram às crianças sobre mim e que eles
precisariam me ajudar.
Como eu disse anteriormente, a puberdade foi um período muito difícil para mim. Fui
mandada embora da escola no segundo grau por causa de brigas. Entrei para uma pequena
escola interna no interior que trabalhava com crianças talentosas com problemas
emocionais. O diretor era inovador e era considerado um "lobo solitário" por
seus colegas psicólogos.
Foi lá que eu encontrei o Mr, Carlock. Uma outra pessoa tremenda foi a minha tia Ann.
Eu visitava o seu rancho durante o verão.
Tanto no segundo grau como na faculdade, as pessoas que mais me ajudaram foram as de
mentes criativas e pensadoras não convencionais. Os profissionais mais tradicionais como
o psicólogo da escola eram perigosos para mim. Eles estavam ocupados tentado me
psicanalisar e tentando tirar de mim a minha máquina compressora. Mais tarde, quando eu
me interessei por empacotamento de carne e seus processos, Tom Rohrer, o gerente de um
frigorífico local se interessou por mim. Por 3 anos eu visitei o frigorífico uma vez por
semana e aprendi muito. O meu primeiro emprego de projetista foi na sua indústria. Eu
quero enfatizar a importância da mudança gradual do mundo escolar para o mundo de
trabalho. As minhas visitas na indústria se davam enquanto eu ainda estava na faculdade.
As pessoas autistas precisam ser introduzidas ao mundo do trabalho antes de se formarem.
As pessoas autistas que eu mencionei anteriormente poderiam ter brilhantes carreiras se
homens de negócios locais se interessassem por eles.
PROGRAMAS PARA AUTISTAS
Nas minhas viagens tenho observado muitos programas diferentes. Na minha opinião, os
programas que são efetivos para crianças pequenas têm alguns denominadores comuns que
são semelhantes independentemente de suas bases teóricas. Uma intervenção o mais cedo
possível melhora o prognóstico. Abordagens passivas não funcionam. Minha governanta era
às vezes "malvada", mas a estrutura montada por ela e sua intensidade evitaram
que eu me alienasse. Tanto ela como minha mãe usaram apenas seus instintos. Os bons
programas têm uma variedade de atividades e usam mais do que uma abordagem. Um bom
programa para criança pequenas deve incluir programas flexíveis de modificação de
comportamento, fono, exercícios, tratamento sensoriais (atividades que estimulam o
sistema vestibular e ajudem a retirar o excesso de sensibilidade ao tato), atividades
musicais, contato com crianças normais e muito amor. A efetividade dos diversos tipos de
programa irá variar muito de caso para caso. Um programa que é efetivo num caso poderá
ser menos efetivo noutro caso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário