Esse artigo foi escrito por Temple Grandin para a Autism Digest. Segue a tradução aqui!
Alguns indivíduos com autismo que parecem ser de baixo funcionamento
têm uma boa mente presa em um corpo desfuncional que eles não conseguem
controlar.
Carly Fleischmann parecia não ter habilidade alguma quando era uma
criança. Ela não falava e estava sempre ou em constante movimento,
destruindo coisas ou sentada sozinha se balançando. A única coisa com a
qual ela parecia se importar era batata chips. Quando deram a ela um
aparelho que tinha figuras que falavam imagens quando apertadas, ela
aprendeu rapidamente como usá-lo. Mas ela achou difícil apertar o botão
para uma simples “pausa pro banheiro” quando apertar o botão da batata
chips era tão mais atraente.
Professores, algumas vezes, subestiman as habilidades de uma criança.
Um professor ia deletar a função teclado do aparelho de comunicação de
Carly. Se isso tivesse acontecido, os pais de Carly nunca saberiam que
ela conhecia palavras. Um dia, Carly digitou “ajuda dentes doem”. Depois
que isso aconteceu, um programa foi iniciado para ensiná-la mais
palavras. Todos os objetos na casa receberam rótulos. Acontece que Carly
estava absorvendo uma quantidade enorme de informação, apesar de
parecer que ela não estava prestando atenção.
À medida em que ela foi se alfabetizando, ela explicou como digitar
exigia um grande esforço. Ela era extremamente ansiosa e, com
frequência, só digitava com quem conhecia. Hoje, Carly digita
independentemente, e participa de um programa para jovens superdotados
em sua escola pública de ensino médio. Ela explica como era tão difícil
controlar seu corpo e se sentar quieta. Ao contrário de mim, Carly
estava interessada em garotos, estrelas do cinema, e todas as coisas
pelas quais uma adolescente normal se apaixona. Quando ela apareceu na
tv em cadeia nacional, ela sabia que teria que ficar quieta e não ter
nenhuma crise. Ela disse que seria mais fácil se o cameraman fosse
realmente bonito. Para Carly, o autismo não define quem ela é. Ela
queria que seu cérebro e seu corpo pudessem ser consertados para que as
atividades normais ficassem mais fáceis.
Bombardeamento Sensorial
Carly pensa em imagens que chegam a ela
todas de uma vez. Eu posso controlar as imagens que chegam à minha
mente, mas a Carly não consegue. Filtrar os estímulos que acontecem ao
fundo é difícil pra Carly, e ela, frequentemente, tem muita dificuldade
para entender o que as outras pessoas estão dizendo.
A Carly descreve muito bem como os
estímulos sensoriais entram no meio e fazem com que ouvir uma conversa
fique difícil. Ela conta que, com frequência, ouve somente duas ou três
palavras de cada frase. Ela descreve como cascatas de vários
estímulos diferentes bloqueiam a conversa. Por exemplo: quando ela
estava em um tranquilo Café falando com outra pessoa, o relativamente
baixo barulho ao fundo e os estímulos visuais do café poderiam ser
filtrados. Ela chama isso de “filtro auditivo”, o que é frequentemente
muito difícil. Sua capacidade para “filtrar o áudio” ficou
sobrecarregada quando uma pessoa passou por sua mesa usando muito
perfume. Agora, os sons previamente filtrados da cafeteira e a visão da
porta abrindo e fechando, todos entraram em sua mente e bloquearam a
conversa.
Carly consegue “filtrar o áudio” quando os
estímulos ao fundo são baixos, mas quando seu sistema de “filtro
auditivo” fica sobrecarregado, estímulos de todos os seus sentidos
entram no cérebro e transformam tudo em caos. Nesse ponto, controlar uma
“crise” é praticamente impossível.
Para ajudar a controlar as crises e os
movimentos corporais, Carly tem que tomar medicação. Controlar-se exige
dela muita força de vontade e medicação. Quando ela era pequena, batata
chips era a motivação. Hoje, ser capaz de participar em interesses
típicos de garotas é o motivador para controlar seu corpo.
O que é o autismo?
A história de Carly nos faz pensar: o que é
o autismo? No meu caso, o autismo é parte de quem eu sou, e eu não
tenho os interesses sociais que a Carly tem. Eu não tenho o desejo de
mudar meu cérebro ou de ser curada. No chamado “alto funcionamento” do
espectro, autismo pode ser uma desordem nos circuitos sociais do
cérebro. No lado oposto, pode ser uma desordem de “clausura”, onde uma
pessoa social está presa em um corpo e sistema sensorial desfuncionais.
Preciso alertar o leitor para ser realista.
Nem todas as crianças com autismo severo que podem ser como Carly, mas
professores e pais que são observadores podem ver demonstrações de
verdadeira inteligência em indivíduos que são incapazes de falar.
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