Médicos do Rio Grande do Sul testam com sucesso substância capaz de reduzir de forma significativa sintomas da doença como a irritabilidade e problemas na fala
Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br)
A gaúcha Daiene Queiroz Engel, 32 anos, já estava habituada ao silêncio do filho, Breno, oito anos. O garoto é autista e pouco falava. Era uma palavra aqui, outra ali. Frases inteiras, somente algumas, e mesmo assim sobre assuntos que lhe interessavam muito. No sítio onde mora com o filho Fernando Henrique, seis anos, nas proximidades de Porto Alegre, Estela Maris Souto, 47 anos, via o menino inquieto repetir o hábito de esfregar as mãos dia após dia, numa rotina angustiante. O garoto recebeu o diagnóstico de autismo quando tinha pouco mais de dois anos. Uma substância em teste por pesquisadores brasileiros, no entanto, mudou a vida das duas crianças, de mais 21, e a de seus pais durante alguns meses. Sintomas evidentes da doença, como a pouca interação social e o atraso na fala, foram bastante reduzidos. Breno de repente pronunciou frases inteiras e repetiu a palavra mamãe e papai outras tantas. Daiene se emocionou. Fernando Henrique parou de esfregar as mãos e finalmente conseguiu ficar sentado, mais tranquilo. E Estela se surpreendeu.
FOCO
Estela se surpreendeu com o efeito do composto
no filho Fernando Henrique. O menino ficou mais concentrado
A responsável por esses benefícios é a proteína GRP, envolvida no processo de digestão. Seu potencial no tratamento do autismo foi descoberto meio que por acaso. Ela vinha sendo objeto de estudo no Hospital de Clínicas de Porto Alegre como um possível recurso terapêutico contra o câncer, mas os pesquisadores observaram que o composto tinha impacto também no sistema nervoso. “Chamou-me a atenção o fato de que existem áreas do sistema nervoso que também possuem concentrações elevadas de receptores para ligarem GRP”, disse o médico Gilberto Schwartsmann, chefe do Serviço de Oncologia do hospital gaúcho. “Estes receptores têm como função a indução de mecanismos de memória associada a experiências afetivas”, explica.
O raciocínio foi o de que se houvesse o mau funcionamento destes receptores, poderia haver o surgimento de sintomas de doenças afetivas. Um teste em cobaias provou que a hipótese estava certa. “O bloqueio do estímulo pelo GRP nas áreas de retenção de memórias de experiências afetivas produzia um quadro de isolamento social e afetivo muito semelhante ao que pode ser observado em muitas doenças afetivas, incluindo o autismo”, diz Gilberto Schwartsmann. A constatação foi a senha que os cientistas precisavam para continuar na linha de estudo. Desta vez, fazendo o contrário: fornecendo doses adequadas de GRP. Nos animais que receberam a substância, houve a atenuação dos sintomas.
PROGRESSOS
Os médicos Gilberto (de terno) e Rudimar lideram a pesquisa para a
criação da droga. Daiene se emocionou porque o filho, Breno,
falou mais enquanto estava sendo medicado
Os testes em crianças começaram há cerca de três anos. Foram envolvidos 23 pacientes, divididos em três estudos distintos, que tiveram duração de alguns meses cada um. Os garotos Breno e Fernando Henrique foram dois dos participantes. As conclusões são bem animadoras. “Tenho 24 anos de neuropediatria e esta substância foi a que melhor atuou em autismo”, diz o médico Rudimar Riesgo, chefe da Unidade de Neuropediatria do HC de Porto Alegre. “As respostas foram extraordinárias em alguns pacientes. E de uma forma geral, houve melhora na irritabilidade, na hiperatividade, nos movimentos repetitivos que costumam ocorrer nos casos de autismo e na linguagem”, completa.
Nos planos dos pesquisadores brasileiros está a expansão do estudo para um número maior de crianças, possivelmente em uma pesquisa multicêntrica — os métodos são usados por diferentes profissionais de diferentes instituições. “Se todos obtiverem os mesmos resultados, a eficácia do GRP ficará definitivamente confirmada”, afirma Riesgo.
Os cientistas submeteram pedido de patente no Brasil e a órgãos internacionais. Embora vários laboratórios tenham manifestado interesse no desenvolvimento da droga, os pesquisadores dão preferência ao laboratório brasileiro Cristália, com quem mantêm alguns projetos e empresa com a qual já iniciaram conversas a respeito da promessa nacional contra o autismo.
Fotos: Marcos Nagelstein
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