terça-feira, 14 de abril de 2015

IDO NA TERRA DO AUTISMO


Ido Kedar usando um iPad para comunicação
O adolescente Ido Kedar é um dos autistas “não verbais” mais proeminentes na luta para que se mude a forma como a educação dos autistas é conduzida, principalmente os que, como ele, não falam. Para ele, é preciso deixar a ênfase na fala de lado e aceitar que certos indivíduos não têm condições de falar por motivos neurológicos. A esses, deve ser ensinada uma forma alternativa de comunicação que seja realmente eficaz.
Com um livro publicado e um blog onde escreve regularmente, Ido é convidado com frequência a fazer discursos em eventos ligados ao autismo.
Este texto em forma de mensagem direcionada aos profissionais pode ser complementado por um texto da Amy Sequenzia já postado aqui, este, por sua vez, uma variação mais poética sobre o mesmo tema.
O texto original em inglês pode ser lido aqui

Um desafio para os profissionais do autismo

Ido Kedar
As teorias sobre o autismo têm-se baseado nas observações dos nossos comportamentos estranhos. Listas desses comportamentos constituem um diagnóstico. Eu tenho independência limitada em cuidados essenciais. Eu faço pouco contato visual e demonstropouca afeição. Eu não consigo expressar minhas ideias verbalmente e tenho pouco controle motor fino. Minha capacidade de iniciar ações é debilitada. Meu controle motor grosso é debilitado. Eu tenho dificuldade para controlar emoções intensas. Eu tenho problemas para controlar impulsos e apresento comportamentos auto-estimulatórios.
Ufa. Quando ponho no papel, tudo isso parece horrível, mas eu levo minha vida de forma adequada. Estou com 17 anos e sou estudante do ensino secundário em tempo integral, em um programa de educação regular. Eu recebi distinção por minhas notas em química, história americana e inglês. Também curso álgebra 2, espanhol e ciência animal. Eu tiro A em todas as matérias e faço exercícios físicos com um personal trainer duas ou três vezes por semana para manter-me em forma. Estudo piano, faço caminhadas, cozinho e ajudo a cuidar de um cavalo. Sou convidado a fazer discursos em universidades e agências ligadas ao autismo. Sou o autor de Ido in Autismland e também escrevo um blog. Eu tenho amigos.
Eu não digo isto para me gabar, mas para que vocês saibam que pessoas como eu, com autismo severo, que agem de forma estranha e não falam, não são menos humanos, como sugeriu o doutor Lovaas. Não estamos fadados a viver vidas de instruções rudimentares e tedioso isolamento. (“No sentido fisiológico, você tem uma pessoa – eles têm cabelo, nariz e boca – mas não são pessoas no sentido psicológico da palavra”, disse o Dr. Ivar Lovaar, pesquisador da UCLA, em uma entrevista para a Psychology Today, em 1974).
Eu uso um iPad para comunicar-me por meio de um aplicativo que faz sugestão de palavras e síntese de voz. Eu também me comunico usando meu bom e velho cartão de letras. Se não tivesse aprendido a apontar para as letras sem estimulação tátil, muitos não teriam acreditado que minha mente estava intacta.
Minha infância não foi fácil, pois eu não tinha meios de comunicar-me, apesar das 40 horas semanais de terapia comportamental intensiva. Eu apontava para gravuras, apontava para meu nariz, mas eu não tinha como demonstrar que eu pensava de forma mais sofisticada e entendia tudo, apesar de internamente estar preso. Dados coletados meticulosamente mostravam minhas respostas incorretas nos exercícios com as gravuras, mas as limitações dessas teorias estão na interpretação.
Para meus instrutores, meus erros eram prova da minha falta de compreensão ou inteligência, então fazíamos as mesmas lições infantis e entediantes ano após ano. Eu sonhava muito em conseguir mostrar a verdade para meus instrutores e minha família, mas não havia uma forma para eu expressar minhas ideias. Tudo o que me deram foi a capacidade de solicitar comida e necessidades básicas.
Isto é o que eu teria dito a eles, quando pequeno: meu corpo não está completamente sob o controle da minha mente. Eu sei a resposta certa para esses emocionantes cartões de gravuras, mas infelizmente minha mão também não está totalmente sob meu controle. Meu corpo ignora meus pensamentos com frequência. Eu olho para os cartões. Você me pede para mostrar a “árvore”, por exemplo, mas embora eu consiga diferenciar claramente entre árvore, casa, menino ou qualquer outro cartão que você me mostre, minha mão nem sempre me obedece. Minha mente está gritando, “Não aponte para a casa!”. Minha mão vai para a casa. Suas anotações dizem, “Ido estava nervoso na sessão de hoje”. Claro, frustração normalmente ocorre quando você não pode mostrar sua inteligência e forças neurológicas impedem a comunicação entre a mente e o corpo, mas os especialistas então concluem que não estamos processando a fala humana de forma cognitiva.
Em minha infância eu temia ficar preso para sempre nessa armadilha horrível, mas eu tive muita sorte de ter sido libertado quando eu tinha sete anos e minha mãe percebeu que minha mente estava intacta. Meus pais procuraram por uma forma de me ajudar a comunicar sem estímulo tátil.
Milhares de pessoas autistas como eu vivem em isolamento e solidão, sendo negadas uma educação, condenadas a serem tratados como bebês e a nunca serem capazes de expressar um pensamento. O preço de presumir-se que pessoas com autismo não verbal apresentam comprometimentos cognitivos é alto para os familiares e para as pessoas que vivem em confinamento em seus próprios corpos. Passou da hora de os profissionais repensarem suas teorias.

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