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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Bactérias intestinais podem contribuir para o autismo

Por Hélia Neves 

*Fotografia de microscopia electrónica onde se observa o processo de transcrição: o gene a ser transcrito  assemelha-se ao “tronco” de uma árvore, enquanto as moléculas de RNA transcritas são progressivamente mais extensas do topo para a base e assemelham-se ao “ramos” de uma árvore.  (Imagem em http://bio3400.nicerweb.com/Locked/media/ch13/christmas_tree_rRNA.html)
*Microscopia electrónica mostrando o processo de transcrição: o gene a ser transcrito assemelha-se ao “tronco” de uma árvore, enquanto as moléculas de RNA transcritas são progressivamente mais extensas do topo para a base e assemelham-se aos “ramos” de uma árvore.
























Passear nestes dias pela baixa de Lisboadesperta em nós uma miríade de sensações! A cidade está fervilhante de vida e todos os nossos sentidos são estimulados. É o frenesim de gente, que apressadamente percorre as ruas em busca dos presentes de Natal. É som crepitante e o cheiro inconfundível das castanhas assadas vendidas na rua, que nos aguça o apetite! E a sua nuvem branca de fumo, que nos cerca por breves momentos, e nos cega… E é nesta época, que a iluminação natalícia finta a noite, revelando sobre os nossos olhos, a majestosa arquitectura da baixa Pombalina.
São assim os nossos sentidos, que permitem termos a percepção do mundo exterior, e que conduzem a informação adquirida para ser “interpretada e trabalhada” pelo nosso cérebro. No entanto, um dos grandes mistérios que a ciência continua por responder é como se processa todo este fenómeno, e porque é que, em alguns de nós, o faz de uma forma tão diferente. Um desses exemplos paradigmáticos é o autismo (o mais conhecido dos transtornos globais do desenvolvimento) (http://pt.wikipedia.org/wiki/Autismo), onde o individuo apresenta dificuldades de comunicação e sociabilização (estabelecer relações interpessoais) e alterações de comportamento (interacções com o meio ambiente). Sabemos hoje que o autismo é um distúrbio que aparece nos primeiros anos de vida e afecta o desenvolvimento normal do cérebro. Durante anos, o autismo foi erradamente explicado pelo que poderia ser considerado um insuficiente acompanhamento materno ou pela aplicação de vacinas nas fases iniciais do desenvolvimento da criança. Actualmente sabe-se que o autismo pode ter uma base genética associada a algumas causas ambientais, como a contaminação por metais pesados (o mercúrio ou o chumbo). Outros factores, como a dieta e alterações do tracto digestivo, também parecem desempenhar um papel importante no desenvolvimento deste distúrbio.
Na semana passada foi publicado na revista Cell (http://www.cell.com/), um trabalho de investigação que dá novas pistas para o papel dos microorganismos (bactérias), que naturalmente habitam o nosso intestino, no tratamento do autismo. Nesse trabalho, os autores mostraram como uma bactéria do intestino humano pode ajudar murganhos (camundongo) com sintomas de autismo, a reverter alguns problemas comportamentais.
O trabalho foi iniciado pelo neurobiólogo, Paul Patterson, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), em Pasadena. Em 2012, este investigador e a sua equipa começaram por criar um modelo experimental do autismo em murganhos. Esses animais apresentavam menor capacidade de socialização ​​e maior ansiedade quando comparados com os murganhos do tipo selvagem (não modificados). Os murganhos com sintomas de autismo também apresentavam “descontinuidade/perda” da barreira intestinal, permitindo a passagem descontrolada de substâncias pela parede do intestino e gerando distúrbios gastrointestinais. À semelhança deste modelo, o mesmo tipo de distúrbios foi descrito em vários casos de autismo no homem, reforçando a ideia que estes dois problemas podem estar associados.
Para compreender a razão deste distúrbio induzido nos murganhos, Patterson e seus colegas da Caltech – a microbiologista Sarkis Mazmanian e a neurocientista Elaine Hsiao, estudaram a flora intestinal destes animais. Esta equipa verificou que os murganhos com sintomas semelhantes ao autismo, apresentavam níveis baixos duma bactéria chamadaBacteroides fragilis (B. fragilis), que se encontra normalmente presente no intestino do murganho e do homem. Quando esta bactéria foi administrada a estes animais, ocorreram modificações no intestino, modificando a sua composição microbiana e corrigindo a permeabilidade das suas paredes. Nestes animais houve assim, melhoria dos sintomas gastrointestinais, mas também houve um atenuar do comportamento autista.
De seguida e para compreender como as bactérias poderiam “comunicar” com o cérebro, os investigadores mediram diferentes produtos químicos em circulação no sangue destes animais. Os murganhos com sintomas de autismo apresentavam níveis de um produto químico chamado 4 – ethylphenylsulphate (4EPS) 46 vezes mais elevados, do que no grupo controlo. Esta substância é estruturalmente semelhante a um composto químico chamado para-cresol, que se encontra em níveis elevados em pessoas com autismo. Para testar se 4EPS seria responsável pela “comunicação” com o cérebro, estes investigadores injectaram este produto em murganhos selvagens e verificaram que estes animais começaram a comportar-se como os murganhos com sintomas de autismo. Embora estes investigadores não tenham provado que 4EPS é produzida pela bactéria B. fragilis, este parece ser produzido por bactérias do intestino.
Com este trabalho, os investigadores contribuíram para a compreensão de como se pode desenvolver/reverter o autismo. No entanto, um árduo caminho falta trilhar para validar e utilizar estas premissas na prevenção ou tratamento do autismo no homem.
Este e outros estudos recentes apontam para uma importância crescente do papel das bactérias, na homeostasia e na melhoria de varias funções no nosso corpo, como a cerebral. Saber como o corpo humano beneficia da presença destas bactérias, que coexistem em número 10x superior ao número total de células que compõem o nosso corpo, constitui um dos desafios recentes e mais interessante lançado à comunidade científica.
Por fim, convido todos a visitar a cidade de Lisboa e ver a iluminação de natal no site oficialhttp://www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/natal-e-passagem-do-ano-em-lisboa

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