FAPESP
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Ao infectar ratas grávidas com uma parte da bactéria Escherichia coli,
cientistas da Universidade de São Paulo (USP) conseguiram induzir na
prole um quadro semelhante ao autismo, criando um modelo animal da
doença que poderá
ser útil em diversas pesquisas.
O trabalho – um dos vencedores da última edição do Prêmio Tese Destaque USP – começou ainda durante o mestrado
de Thiago Berti Kirsten e foi concluído em seu doutorado, ambos com Bolsa da FAPESP.
“Nossa maior contribuição foi mostrar que, além dos já bem
estabelecidos fatores genéticos, infecções durante a gestação também são
importantes na etiologia das doenças mentais. Nossos achados indicam
que uma infecção bacteriana aproximadamente no meio
da gestação induziria alterações comportamentais similares às do
autismo, com prejuízos na comunicação, socialização e inflexibilidade
cognitiva”, disse Kirsten.
O experimento consistiu em injetar uma toxina extraída da membrana da bactéria E. coli
chamada lipopolissacarídeo (LPS) em ratas no nono dia e meio de
gestação. Segundo Martha Bernardi, pesquisadora da Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia
(FMVZ) da USP e orientadora do estudo, isso seria o equivalente a uma
mulher contrair uma intoxicação alimentar pela bactéria por volta do
quarto mês de gravidez.
As ratas apresentaram um discreto e passageiro quadro de
comportamento doentio após a contaminação, mas logo voltaram ao estado
normal e cuidaram de forma adequada dos filhotes. Na prole, por outro
lado, os efeitos foram maiores e duradouros.
“Após o parto, deixamos com as ratas oito filhotes: quatro fêmeas e
quatro machos. Todas as fêmeas apresentaram comportamento normal. Os
machos, por outro lado, mostraram menor preferência pelo odor da mãe,
indicando menor reconhecimento materno, e redução
na socialização por meio de brincadeiras. Como o autismo é bem mais
comum em homens do que em mulheres – em uma proporção de quatro para um
–, a diferença observada entre machos e fêmeas é uma evidência forte de
que conseguimos criar um modelo da doença”, avaliou
Bernardi.
Os resultados sobre a capacidade reduzida de socialização foram publicados na revista NeuroImunoModulation. Já os dados sobre a dificuldade de reconhecer a mãe pelo
olfato foram divulgados na Physiology & Behavior.
Ao estudar o cérebro dos filhotes afetados, ainda durante o
mestrado, Kirsten observou que a produção de dopamina – neurotransmissor
envolvido no controle de movimentos, aprendizado, humor, emoções,
cognição, sono e memória – estava diminuída. Os resultados
foram publicados no Journal of Neuroscience Research.
Segundo Bernardi, estudos anteriores haviam relacionado o autismo
apenas à deficiência de serotonina. “Fomos os primeiros a relacionar a
condição a uma hipofunção dopaminérgica. Mas vale ressaltar que
estudamos apenas uma das formas de autismo, a induzida
por inflamação. Essa síndrome, no entanto, é multifatorial, pode ter
causas genéticas, medicamentos e outros fatores envolvidos”, disse.
Durante o doutorado, Kirsten estudou os receptores de dopamina no
cérebro dos ratos e observou que estavam inalterados. Descobriu, por
outro lado, que a enzima necessária para a produção de dopamina – a
tirosina hidroxilase – estava diminuída. Ao investigar
os demais neurotransmissores não encontrou alterações relevantes.
“Acreditamos que a toxina da bactéria tenha induzido no corpo da
rata prenhe a liberação de citocinas inflamatórias que causaram uma
lesão funcional no cérebro dos filhotes. O tecido cerebral e as células
gliais da prole, no entanto, estavam normais”,
disse Bernardi.
Também durante o doutorado, com a ajuda de um aparelho capaz de
capturar ultrassons, Kirsten mostrou que os bebês machos apresentavam
problemas de comunicação. “Quando tiramos a mãe de perto dos filhotes,
normalmente eles começam a gritar para que ela
volte. Mas nos machos essa comunicação estava diminuída. Além disso,
eles apresentavam um comportamento repetitivo típico do autismo”, contou
Bernardi.
Segundo Bernardi, já há outros grupos usando o modelo animal
desenvolvido por Kirsten para investigar, por exemplo, a percepção de
dor no autismo. “Não se sabe ao certo se pacientes com a doença sentem
menos dor que o normal ou apenas expressam menos a
dor”, afirmou Bernardi.
Para Kirsten, o modelo é interessante para a comunidade científica
por ser facilmente replicado e por reproduzir com fidelidade vários
aspectos do autismo.
“O próximo passo é realizar intervenções nos filhotes após a doença
materna, ainda na gestação, com substâncias que interfiram nos seus
sistemas imunes ou revertam os danos neurológicos. Esperamos encontrar
ideias que encorajem futuras intervenções em
humanos, para tentar amenizar ou mesmo reverter os prejuízos trazidos
pelo autismo”, disse Kirsten, que realiza no momento pós-doutorado
com apoio da FAPESP e supervisão do professor Luciano Freitas Felício, da FMVZ-USP.
Prêmio Tese Destaque USP
Criado para estimular atividades de pesquisa entre alunos e
professores da pós-graduação, o Prêmio Tese Destaque USP contemplou em
2013 trabalhos de doutorado em nove áreas do conhecimento. O autor do
melhor trabalho em cada área receberá R$ 15 mil e seus
orientadores, R$ 10 mil. Os trabalhos agraciados com menções honrosas
receberão R$ 5 mil cada.
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