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terça-feira, 16 de abril de 2013

O cérebro da mosca fala sobre o envelhecimento humano



  1. O cérebro da mosca fala sobre o envelhecimento humano
  2. ter, 16/04/13
  3. por Alysson Muotri |categoria Espiral
  4. O cérebro de uma mosca-de-fruta contém aproximadamente 100 mil neurônios. É capaz de realizar movimentos e cálculos altamente complexos, impossíveis de serem simulados mesmo unindo a capacidade de todos os computadores já construídos pelo homem.

  5. Entre esses neurônios, a maioria está programada para responder a estímulos do ambiente de forma inata. É o caso da atração ao açúcar. Moscas-de-fruta são espontaneamente atraídas por uma banana e não tiveram que aprender isso com a mosca-mãe, nasceram sabendo. Porém, existe um grupo de aproximadamente 5 mil neurônios, conhecidos como neurônios-cogumelo, que são responsáveis pela formação de novas memórias e aprendizados das moscas-de-fruta. Ao providenciar um estímulo negativo, um pequeno choque elétrico, por exemplo, toda vez que entram num ambiente contendo uma banana madura, as moscas deixam de seguir seu instinto após algumas sessões, aprendendo que correm o risco de levar um choque. Esse aprendizado vai contra o desejo inato das moscas de irem atrás do açúcar. Sabemos que são os neurônios-cogumelo quem irão sinalizar perigo e permitir o aprendizado.

  6. Semelhante aos humanos e outros animais, o aprendizado e memória das moscas-de-fruta não é homogêneo. Existem aquelas que aprendem de primeira, assim como existem indivíduos que necessitam de mais sessões para entenderem que o ambiente mudou e não é mais seguro ir atrás daquela apetitosa banana. E alguns raros indivíduos nunca vão aprender. Essa variabilidade cognitiva entre indivíduos geneticamente idênticos, vivendo num mesmo ambiente, em uma população de moscas-de-fruta é um grande mistério. Sabemos que todas tem o mesmo número de neurônios-cogumelos, responsáveis por esse comportamento. Sabemos também que esses neurônios fazem as mesmas conexões nervosas com outras regiões do cérebro. Então, de onde viria essa variação no aprendizado?

  7. Dois trabalhos publicados semana passada trazem uma perspectiva inusitada a essa questão fundamental da neurociência – um deles com importantes consequências sobre o que se sabe a respeito de Alzheimer e Parkinson, doenças que atingem milhões de pessoas no mundo.


No primeiro trabalho, liderado pelo escocês Scott Waddell e publicado na revista “Science”, o grupo procurou saber qual era a assinatura genética que distinguia os neurônios-cogumelo dos outros neurônios do cérebro da mosca. Ao fazerem uma análise conservativa não encontraram nada de especial. Isso porque, em geral, as análises de bioinformática tendem a ignorar grande parte do genoma, o famoso “DNA-lixo”.

Nesse “DNA-lixo” estão escondidos os “genes egoístas”, pedaços de DNA com habilidade transponível e frequentemente conhecidos como os parasitas do genoma. Essa má fama foi cunhada justamente por essa capacidade desses elementos de “pular” de uma região a outra do genoma, duplicando-se em diversas cópias, e afetando genes vizinhos. Pois bem, o grupo de Scott optou por não filtrar esses parasitas durante uma segunda análise e acabou descobrindo que os parasitas genômicos eram justamente o que diferenciavam os neurônios-cogumelo dos outros neurônios no cérebro das moscas.

O trabalho também mostrou que ao “pular” de um lugar a outro no genoma, esses elementos transponíveis acabavam por acertar genes relacionados com memória em aprendizado. A interpretação do grupo seria que a atividade aleatória desses elementos móveis estaria gerando diversidade neuronal a ponto de influenciar o espectro de comportamento dos indivíduos de uma mesma população. As observações foram inspiradas numa teoria revolucionária e que já foi explorada por mim em um texto anterior desse blog.

O outro trabalho, liderado pelo grupo americano de Josh Dubnau e publicado pela revista “Nature Neuroscience”, chegou a uma conclusão semelhante, mas usando o envelhecimento como paradigma. Sabemos que, ao envelhecer, as moscas-de-fruta vão perdendo a memória e capacidade de aprendizado. O mesmo declínio cognitivo acontece com humanos e outros animais, sugerindo que o mecanismo seja conservado entre essas espécies. Ao tentar identificar a assinatura genética responsável pelo declínio dos neurônios-cogumelo, Josh chegou à seguinte observação: ao envelhecer, a atividade dos elementos transponíveis tornava-se maior. Ou seja, neurônios-cogumelo perdem a capacidade de controlar os parasitas genômicos com o tempo. Essa atividade descontrolada estaria correlacionada com a degeneração desses neurônios, algo nunca antes documentado.

O grupo foi mais além. Para mostrar causalidade, conseguiram reprimir parcialmente a atividade desses parasitas genômicos através de ferramentas genéticas, permitindo que as moscas pudessem envelhecer com menor perda cognitiva. As implicações desse trabalho são enormes para o estudo do envelhecimento e de doenças humanas como o mal de Alzheimer ou Parkinson.

Esses dois trabalhos ilustram bem como questões altamente complexas de nosso cérebro podem ser analisadas com organismos mais simples. A descoberta original de que o cérebro é um mosaico genético aconteceu há quase uma década atrás – em um trabalho que minha equipe publicou em 2005 na “Nature” – e desde então pouco progresso tem sido feito em mamíferos. A lentidão está justamente na dificuldade em manipular experimentalmente modelos animais. Além disso, sabemos muito pouco das redes nervosas em camundongos, roedor mais utilizado para estudos desse tipo. Ao utilizar modelos mais simples, como a mosca, esses dois trabalhos abriram uma nova fronteira para as próximas gerações de cientistas, misturando genômica e neurociência. Fascinante.

Crédito da foto: Ettore Balocchi/Licença Creative Commons

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