Com a ajuda dos pais, crianças podem reverter distúrbios de desenvolvimento ou aprendizagem
Relato do escritor Fabrício Carpinejar emocionou leitores e inspirou reportagem
Em
sua coluna de 17 de janeiro em Zero Hora, o escritor Fabrício
Carpinejar conta como enfrentou sérias rejeições quando pequeno, que não
conseguia ler e escrever, que a professora recomendou que desistissem
de alfabetizá-lo e que o colocassem numa escola especial. O laudo de um
neurologista recomendava tratamento, remédios e isolamento, já que ele
não acompanharia colegas da faixa etária. Apesar dos diagnósticos,
Carpinejar relata como, com o amor e a insistência de sua mãe, venceu os
obstáculos e se tornou um escritor de sucesso.
A coluna Retardado aos oito anos emocionou
muitos pais e avós no Estado. Carpinejar recebeu cerca de 100 mensagens
de leitores com felicitações pelo texto, às vezes acompanhadas de
depoimentos de gente que enfrentou ou está enfrentando as mesmas
dificuldades.
Qualquer
criança em idade escolar está sujeita a não processar as informações
que recebe da maneira esperada, podendo apresentar problemas de leitura,
escrita e pronúncia das palavras, ou ao prestar atenção em sala de
aula. Isso não significa, porém, que ela precise conviver negativamente
com o rótulo de portadora de distúrbios de desenvolvimento ou de
aprendizagem.
Especialistas
na área da educação atualizados com os parâmetros teóricos mais
modernos concordam, contudo, que receber uma informação como essa de
forma prematura, e, muitas vezes, de maneira equivocada, pode causar
estragos para o resto da vida. Novos paradigmas apontam para a ideia de
que ninguém é menos inteligente por tirar nota baixa em matemática, ou
por não conseguir decorar a tabela periódica: o próprio conceito de
inteligência está em mutação
Por
isso, diante de uma situação em que um filho se encontra vulnerável, em
vez de entrarem em pânico, perguntando-se o que fizeram de errado ou se
ele é diferente dos outros, os pais devem entender que a solução pode
passar por eles mesmos.
—
A maneira como os pais vão lidar com um diagnóstico desse tipo está
ligada à forma como eles representam seus filhos dentro de si,
tornando-se decisivo na forma como a criança vai superar os problemas —
define o psiquiatra Celso Gutfreind, ressaltando que, quando um pai
acredita no filho acima de tudo e tem uma imagem positiva dele,
transmite confiança, diminuindo o poder do diagnóstico, da "etiqueta"
que colocaram na criança.
Um
exemplo é a passagem da pré-escola para a primeira série. Nessa fase,
algumas crianças estão mais preparadas do que outras para aprender a ler
e a escrever. Ao se constatar dificuldades no aprendizado, deve-se
prestar atenção para as mais simples alterações emocionais (como
ansiedade e medo). A personalidade do aluno e situações mais complexas,
como estar enfrentando problemas em casa — pais se separando, irmão
nascendo ou bullying na escola — também devem ser considerados.
—
Só porque uma pessoa não se encaixa em um padrão pré-determinado ou
alguém é incapaz de compreendê-la não quer dizer que ela seja totalmente
incapaz — justifica a psicóloga Lisiane Machado de Oliveira Menegotto,
doutora em Psicologia do Desenvolvimento e coordenadora do curso de
Psicologia da Universidade Feevale.
Diagnósticos não são sentenças
Décadas
atrás, diagnósticos dados pelo setor pedagógico do colégio tornavam-se
sentenças definitivas sobre a capacidade cognitiva do aluno, o que
marcava para sempre a vida da criança.
—
Isso ainda ocorre hoje, mas há um esforço cada vez maior em cuidar para
não se rotular prematuramente uma criança — aponta a psicóloga Lisiane
Machado de Oliveira Menegotto.
A
psicóloga Andrea Rapoport, doutora em Psicologia do Desenvolvimento,
explica que o caminho da educação é apostar em um olhar mais apurado
sobre o que cada pessoa faz de melhor. Ela cita como exemplo a Teoria
das Inteligências Múltiplas, criada por de Howard Gardner (1985), com
uma visão de inteligência que aprecia os processos mentais e o potencial
humano a partir do desempenho das pessoas em diferentes campos do
saber. A teoria se opõe aos tradicionais testes de QI, que avaliam todos
pelos mesmos parâmetros.
—
Inteligência é a capacidade que nós temos de solucionar problemas, de
criarmos dentro da sociedade. Se o sujeito não é bom em matemática, ele
pode ser incrivelmente criativo para contar histórias, por exemplo —
afirma Andrea.
Como agir
::
Para que escola e família não confundam uma dificuldade de aprendizagem
passageira com um distúrbio mais sério de desenvolvimento, observe as
atitudes da criança. Muitas vezes, o problema é emocional.
::
Consulte profissionais com especialização em clínica infantil, para
realizar uma avaliação e tratar da criança. O trabalho deve ser em
conjunto com a escola e a família.
::
Professores e pais devem cuidar ao máximo para não passar a imagem de
que a criança é incapaz, inferior aos outros. Deve-se explicar que, sim,
ela tem uma dificuldade, e trocar experiência com ela, ver o que que
ela acha disso, mostrar que ela tem outras qualidades e que não é
definida pela nota do colégio.
::
Aposte no seu filho e confie nele. Afeto e otimismo em relação ao seu
futuro farão com que ele ganhe confiança para superar os obstáculos.
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